sábado, abril 02, 2005
  Que Cultura? Que Política Cultural?

De que falamos quando falamos de cultura?
De um ponto de vista antropológico falamos de um conjunto de padrões de comportamentos, crenças, conhecimentos, costumes, etc., que distinguem um grupo social. De um ponto de vista de política cultural autárquica, que adiante procuraremos definir, não será de todo esta a vertente que mais nos importará. Não será? Mas se a comunidade em que nos inserimos tem tais especificidades culturais, ainda tão claramente marcadas que nos tornam um caso singular no todo nacional? Se somos hoje uma comunidade na fronteira entre um mundo rural que fenece e um mundo urbano que debilmente desponta, não será nossa incumbência e responsabilidade a salvaguarda desse modelo cultural já hoje crepuscular?
Mas talvez que nos importe mais a cultura como o complexo de actividades e instituições ligadas à criação e difusão das belas-artes, ciências humanas e afins. E aqui caberá também a tarefa que anteriormente nos propusemos.
Mas se é nossa incumbência a salvaguarda das formas culturais passadas, patrimoniais, é também responsabilidade nossa adoptar uma postura receptiva ao novo, ao que desponta, ao que ainda é informe e dificilmente se divisa.
Mas neste caso, mais do que em relação à vertente patrimonial, um problema se nos coloca. Que postura adoptar? É bom lembrar que aqui sempre aflora a tentação dirigista. A História está cheia de exemplos de políticas culturais oficiais que mais não foram do que políticas coarctivas de criatividade que degeneraram em modelos canónicos academicistas e medíocres e em reles práticas propangadísticas. Mas se, e lembrando Roland Bhartes, não existe o grau zero da escrita, muito menos existirá o grau zero das políticas culturais. Nem ele é desejável, sequer aceitável, pois que uma política cultural autárquica deverá estar ao serviço das populações e atender às especificidades culturais das mesmas.
Mas deverá propiciar-se às comunidades que se servem apenas aquilo que elas desejam, deverá seguir-se uma política cultural de cariz popular? Por outras palavras, deverá propiciar-se o contacto com objetos culturais que respondam ao gosto fácil e imediato ou deverá procurar-se, entretanto, proporcionar o contacto e usufruto de modelos culturais mais elaborados e de mais difícil fruição? Não será que uma política de serviço de uma qualquer comunidade também deverá comportar uma vertente didáctica? Parece-nos óbvio que sim.
Mas cuidado. Que sentido pode ter a promoção de eventos onde poucos compareçam? Os gastos que tais eventos acarretam são suportados com dinheiros públicos o que pressupõe uma responsabilidade social na sua gestão. Eventos de cariz elitista que, para além do seu custo, se revelam ineficazes e de todo inúteis de um ponto de vista didáctico? Obviamente não.
Por outro lado que sentido tem a promoção de actividades de todo desfasadas da sensibilidade e adesão comunitárias, ainda que aparentemente possam assumir uma feição popular? Por exemplo, que sentido tem a promoção de um conjunto de actividades designado por Bejalternativa, que a Câmara vem patrocinando e pagando de há alguns anos a esta parte? Que gastos acarreta, qual o grau de adesão da comunidade local? Em que é que essa iniciativa responde a um real e sentido anseio comunitário? Que práticas culturais alternativas ocorrem em Beja ao longo do resto do ano? Existe suficiente massa crítica comunitária fautora de tais práticas culturais alternativas que justifiquem esse conjunto de iniciativas como seu corolário lógico? Em nosso entender não.
Aqui chegados somos levados a outra reflexão. Que público ou públicos privilegiar? Em nosso entender a todos e a nenhum. Expliquemo-nos: na verdade não há um público para consumo, usufruto e criação de produtos culturais, há públicos, tão diversos quanto o pode ser a sociedade, diversos e heterogéneos em termos geracionais, de escolarização e de inserção económica na tessitura social. Tem havido uma crescente tendência para o privilegiar de uma faixa etária que poderemos designar por adolescente-juvenil, fruto de um certo modismo, razões económicas e calculismo político. Este é um público disponível em tempos livres, tem poder económico e seduzível, em termos político-partidários, entenda-se. A desmesura de atenção dedicada a este público pela chamada indústria de cultura de massas e pelos poderes políticos remonta já a algumas décadas atrás. Surge quando o jovem, mercê do desenvolvimento económico verificado no pós-guerra, tem suficiente dinheiro de bolso para ascender à categoria de consumidor de produtos culturais, entre outros, tem ainda tempo e predisposição para tais consumos e tem em mãos o abre-te sésamo das democracias representativas, o voto, pois que progressivamente foi baixando a idade legal para tal exercício. Data pois de então a conceptualização progressiva da muito discutível cultura jovem, cujas realizações, encaradas que são como produtos de consumo imediato, são quase sempre superficiais, de fácil acesso e fugaz durabilidade.
Há então que quebrar rotinas e modismos e ensaiar uma política diversificada que atenda aos vários públicos, à sua sensibilidade, motivações e interesses.

 
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