O Pacense
domingo, março 19, 2006
  A Violência nas Escolas

Os jornais têm-se feito eco ultimamente do aumento da violência nas escolas, referindo particularmente actos de violência, física e mental, exercidos por alunos e, pasme-se, até por encarregados de educação, sobre professores e auxiliares de acção educativa. O problema não é novo e não é apenas nosso: de outras paragens da velha e civilizada Europa nos chegam com frequência notícias sobre este já não recente fenómeno. O mal será pois de cariz civilizacional. E a escola, que deveria ser um espaço sagrado de aprendizagem, tolerância e civilidade, converteu-se, a pouco e pouco, num lugar onde impera a lei do mais forte, o poder do grupo, a barbárie, enfim. O retrato estará pintado com cores muito carregadas, dir-me-ão, pois há ainda muitas escolas onde continua a ser possível uma sã convivência entre todos os membros da comunidade educativa. Ainda há, eu conheço-as. Mas o ainda é que nos deverá fazer reflectir, já que este tipo de manifestações tem vindo a alastrar como mancha insidiosa sendo cada vez mais as escolas onde tais comportamentos se verificam.
A transmissão às gerações mais jovens daqueles elementares valores que tornam possível a convivência pacífica entre os membros de uma comunidade parece não funcionar. E os resultados são brutais, particularmente nas escolas públicas, local de intersecção classista e, mais recentemente, de confronto de culturas.
Dizia-me uma colega que, enquanto aluna, tinha medo dos professores e agora, como professora, teme os alunos. Ora esta situação é insustentável. Que mais não seja porque qualquer profissional, e um professor é um profissional, um cidadão comum, não é um missionário, terá direito a exercer a sua profissão em condições de segurança e tranquilidade, sem que o exercício da mesma lhe acarrete quaisquer danos de carácter físico ou mental. Ora as condições em que milhares de docentes exercem a sua actividade são todo o contrário disto. É do conhecimento comum que os professores são os clientes mais assíduos das consultas de saúde mental.
Estarão os poderes políticos suficientemente alertados para a crueldade desta situação? Não me parece. A recente ofensiva desencadeada recentemente pelos governantes contra esta classe profissional revela uma profunda falta de tacto, sensibilidade e conhecimento real da situação. Sendo previsível, se nada for feito no sentido de repor alguma ordem e disciplina nas escolas, e uso as palavras ordem e disciplina de forma propositada, vai sendo tempo de não termos receio de utilizar determinados vocábulos apenas porque a história mais recente os conotou pejorativamente, dizia eu, se nada for feito este clima tenderá gradualmente a agravar-se. E olho-me a mim, com 32 anos de serviço e 54 de idade, olho os meus colegas e pergunto-me quantos de nós estarão em condições físicas e mentais para, ultrapassados os 60 anos, sermos capazes de desempenhar a nossa profissão sem nos sentirmos ainda mais constrangidos e amargurados do que no presente, por já não o conseguirmos fazer com a dignidade e proficiência que a actividade docente exige.
O entendimento dos nossos iluminados governantes é outro. Daí o recente e brutal agravamento das condições de aposentação, recusando à profissão quaisquer especificidades de exercício merecedoras de um particular tratamento. Que a situação actual terá que ser revista não o duvido. Não porque sejamos credores de quaisquer benesses do poder, até porque essas benesses se esgotam naqueles que exercem esse mesmo poder, desde o deputado ao autarca, nada sobrando para os outros, mas porque a realidade do exercício da profissão assim o imporá. 
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domingo, março 12, 2006
  A cabulice é má conselheira

O nosso primeiro-ministro dirigiu-se recentemente à Finlândia em procura de inspiração e ensinamentos para o seu entrevado choque tecnológico. Parece ser agora a Finlândia o exemplo a seguir pela tribo lusitana. Há alguns anos, não muitos, era a verde Irlanda o modelo. Países com uma dimensão humana até inferior à nossa e até há poucas décadas sociedades de rústicos campónios e que, no entanto, souberam dar o salto para patamares de desenvolvimento social e económico invejáveis.
Num passado mais longínquo o país erigido como modelo era a Bélgica, afinal um estado dual, resultante mais da vontade política das potências europeias de então do que da vontade expressa dos seus habitantes e que, contudo, se havia tornado numa sociedade próspera, ordeira e educada. Tudo aquilo que nós não éramos, como não se cansavam de apregoar os homens da Geração de 70, mirando com inveja e despeito a Europa além-Pirinéus, então já tão próxima de nós através do comboio e ao mesmo tempo tão longínqua. Copiámo-la, mas mal, em calão, segundo esse génio de ironia mefistofélica que foi Eça.
A Irlanda em 1986, ano da nossa adesão à então denominada Comunidade Económica Europeia, tinha um índice de desenvolvimento semelhante ao nosso. Agora olhamo-la por um canudo.
O que têm então eles que nós não tenhamos?
Bem, em primeiro lugar eles têm belgas, irlandeses e finlandeses e nós temos portugueses. Depois têm governantes belgas, irlandeses e finlandeses e nós temos governantes portugueses. De seguida terão feito opções correctas em devido tempo e nós ainda andamos a discutir quais as opções que haveremos de tomar. E mais, uma grande parte das nossas preclaras elites não se cansa de nos serrazinar aos ouvidos que o país até nem é viável. Com o esforço e a sapiência de alguns desses excelsos espécimes não o seríamos decerto.
Além de tudo isto, que já não é pouco, têm um paradigma de vida que se pauta pelo esforço, trabalho e persistência. E têm padrões elevados de cidadania e educação. Um exemplo? Cá, o chico-espertismo nacional ensina-nos que não pagar impostos é acto meritório e sinal de sagacidade. Por lá , para além de crime, é anátema social que impede aquele que o faça de ter quaisquer veleidades de fazer carreira política.
Em troca, o Estado é eficaz, até generoso, e trata com respeito os seus cidadãos. Uma realidade que não agrada de todo aos nossos neo-liberais, que acusam o incipiente Estado-Providência, que entretanto construímos, de estorvar o desenvolvimento económico.
É este o nosso paradigma, senhor primeiro-ministro? Não é.
Dê-nos a todos sinais de que está disposto a mudar este estado de coisas. Nomeadamente no seio do Partido que o apoia, porque quando se quer mudar o melhor é mesmo começarmos pela nossa casa.
Querer mudar cabulando aquilo que os outros conseguiram realizar, com esforço e determinação, não é mais do que um sinal da nossa ancestral ronha e preguiça. 
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quarta-feira, março 01, 2006
  Marcas Sociais



Quando eu era criança a forma de tratamento usual entre familiares era o você. Era assim que eu me dirigia aos meus pais, tios e avós. Entre irmãos e primos tuteávamo-nos. Estranho era para mim ver o mais novo dos meus tios tratar o meu pai por você, pois que era ele o primogénito. Resquícios de antigos hábitos que obrigavam os irmãos a uma particular deferência para com o morgado, herdeiro de todos os bens familiares e benfeitor dos irmãos, quando o era, embora aqui nem fosse o caso, pois que os meus familiares eram todos de modesta condição social e os escassos bens que os meus avós possuíam tão escassos eram que nem dariam azo a qualquer demanda por partilhas.
Longe de mim sequer a ideia de tutear qualquer um dos meus familiares. Se à primeira poderia ser levado o despautério à laia de equívoco provavelmente, se segunda houvesse, acabaria por apanhar uma lambada, ou mais, porque do visado apanharia na certa e depois viriam as contas a ajustar com meus pais.
E se assim era no seio de minha família assim era em todas as outras à excepção, ele há sempre excepções, da família de um meu amigo, companheiro de escola e de brincadeiras mas cuja família pertencia a um outro extracto social, gente abonada em terras e cabedais e com licenciados entre si, enfim, gente com outro estadão e que entre si se tuteava. E causava-me uma certa estranheza ver o meu amigo tratar por tu todos os familiares, pais e avós incluídos. Cuidava eu então que aquela forma de tratamento era fruto de requinte educativo e civilizacional, admissível entre gente que se poderia permitir fazê-lo sem que com isso se abastardassem as formas de relacionamento respeitoso que haveriam de imperar entre familiares.
Os anos transcorreram e tudo mudou. Hoje a minha filha tuteia-me assim como à mãe e restantes familiares. Mas entre as classes possidentes, ou que assim presumem, pois que começa a ser de regra a mobilidade social, toda a gente se trata por você, não apenas os filhos em relação aos pais e outros familiares, mas os irmãos e os cônjuges entre si e até entre amigos.
E entre amigos e amigas é de regra um só beijo na face e não dois, como o fazem aqueles de menor estatuto social. Afinal as formas de tratamento, ao contrário do que pensava a criança que eu fui, nada têm a ver com uma particular e refinada educação mas mais não são do que marcas sociais, símbolos , códigos de comunicação e diferenciação.
E eis como a língua e as formas de cumprimento se convertem em factores de diferenciação e estratificação social. Línguas há menos passíveis de serem usadas sob este ponto de vista. O inglês apenas tem o you, que tanto significa tu como você. Mas isso não impediu que a sociedade inglesa fosse uma das mais estratificadas da Europa, pois nela se pode catalogar socialmente um indivíduo pela pronúncia. E se o Brasil adoptou apenas e só o você, não deixa por isso a sociedade brasileira de ser uma das mais injustas e desiguais não apenas da América Latina mas de todo o mundo.
As marcas de diferenciação social eram no passado mais e mais marcantes. Desde logo o vestuário e a capacidade expressiva, de elocução. Essas atenuaram-se mas outras, mais subtis, subsistem.
Elas são patentes até nos hábitos gastronómicos. Um amigo meu, snobe quanto baste, confessou-me um dia que havia deixado de pedir como entrada, nos restaurantes que frequentava, melão com presunto, e como ele gostava de melão com presunto, quando se apercebeu de que tal entrada se havia de tal modo banalizado que até nos restaurantes mais modestos a serviam.
 
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