O Pacense
domingo, setembro 24, 2006
  Linha de Auxílio ao Professor

-Estou! Qual é o seu problema?
-Qual é o meu problema? É que acabo de ser agredido por um encarregado de educação!
-Calma! Pode dizer-me em que circunstâncias é que ocorreu tal agressão? E que tipo de agressão foi?
-Bem, um aluno disse um palavrão em plena aula e eu obriguei-o de imediato a pedir desculpa pelo palavrão, a mim e aos colegas. Como o aluno se recusasse a fazê-lo ordenei-lhe que saísse da sala de aula para o que chamei um auxiliar que o deveria acompanhar até à Biblioteca, como deixei explícito. Pois o aluno não só não acompanhou o funcionário até à Biblioteca como o agrediu verbalmente e saiu da Escola a chamar o encarregado de educação. Quando findei o meu turno de trabalho esperava-me este ao portão da Escola. Depois de me chamar as coisa mais incríveis deu-me um murro que em deixou atordoado.
-Agressões verbais, um murro, bem vejo! Mas bem vê, essa é a cultura de que o aluno e o encarregado de educação são portadores. Há que contextualizar as coisas...
-Contextualizar!? Mas essa não é a minha cultura nem a cultura de escola. Ou não deveria ser. E é somente isso o que tem para me dizer?
-E que mais quer que lhe diga? Olha que esta!? Olhe, sabe que mais? Ponha gelo que o inchaço logo passa. E passe bem que tenho um outro seu colega em linha.
-Estou! Em que lhe posso ser útil?
-Uma aluna, cujo comportamento prejudica permanentemente o ambiente de aula e a quem eu, inutilmente, repreendo, acaba de me dizer que se a torno a repreender me fura os pneus do carro e mo risca todo. Um carro que nem um ano tem e que ainda estou a pagar, sabe Deus com que esforço.
-Bem, os seus compromissos financeiros, como deverá entender, não nos dizem respeito. Também, só querem "brutas máquinas" e depois queixam-se!
-Perdão, está a fazer extrapolações abusivas...
-Abusivas? Como se não fosse verdade! Mas afinal qual é o seu problema?
-Mas se já lho expliquei...
-Olhe, passe a ir de transporte público para a Escola. Ou a pé, que lhe faz bem à saúde.
-Do lugar de onde vivo não tenho transportes públicos que me levem até à Escola, e para ir a pé é muito longe. Mas ouça lá, eu desloco-me para a Escola como entender...
-Então desloque-se, mas depois não se queixe. A propósito, quantos anos tem?
-48 anos. Mas a que propósito...
-A propósito de que tem idade suficiente para se recordar do velho slogan publicitário que dizia: Bate-chapas e tinta Robbialac põem o carro como novo. Passe muito bem, que tenho outro em linha!
-Estou! Há azar?
-Há azar? Bem que podia ser mais delicado!
-Diga lá o que quer e despache-se!
-Estou banzado. Não me basta a indisciplina na Escola. A indisciplina, sim, que os governantes e os sindicatos tardam em reconhecer como um dos principais factores que obstaculizam as aprendizagens e prematuramente desgastam os docentes. E esse não reconhecimento é feito em nome de concepções pedagógicas e sociais que há décadas provam que não funcionam...
-Alto lá, alto lá! A malta aqui não faz política. Se quer fazer política escolheu mal o sítio!
-Política? Apenas constato factos...
-Alto! Alto! Vamos lá ao que interessa! De que se queixa?
-Queixo-me de que a indisciplina é tal, numa das minhas turmas, que quando me desloco para a sala de aula onde irei ter os ditos alunos, por vezes tenho que passar pela casa de banho para vomitar, tanta é a contrariedade.
-E já experimentou tomar um anti-vomitório, daqueles que se tomam quando se viaja de barco ou de avião? Pode ser que resulte!
-Mas está a brincar comigo ou quê? Se lhe estou a dizer que a indisciplina, a ausência de quaisquer regras mínimas de conduta...
-Mas qual indisciplina? Então não sabe que a indisciplina e a conflitualidade são próprias da escola moderna? Está-me cá a parecer que se enganou no guichê. O que você está é mal aviada. Olhe, vá queixar-se à DECO!
 
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domingo, setembro 17, 2006
  Ninguém Sai Ileso

De forma cirúrgica têm vindo a lume, a lume exactamente pois que tais novas são bem quentes, os nomes de algumas personalidades ligadas ao meio futebolístico como pretensos implicados no caso "Apito Dourado". E ao mesmo tempo têm-se divulgado algumas transcrições das escutas feitas de conversas mantidas por essas mesmas personalidades, constituindo o teor das conversas a matéria incriminatória.
Mas que matéria incriminatória? Tenho lido essas transcrições e francamente, as criaturas em causa apenas se têm limitado a pugnar pelas instituições que representam metendo uma cunhazinha, muito particularmente em relação aos árbitros que hão-de apitar os jogos disputados pelos respectivos clubes. Mas então a cunha não é uma instituição nacional, interclassista, intergeracional, transversal à sociedade, secular até? Não é ela filha dos tão proclamados brandos costumes e espírito de desenrascanço nacionais, matriz do nosso carácter, estruturante da nossa sociedade?
Quem não utiliza a cunha? Sim, quem? Desde o ministro que quer meter o seu tão promissor rebento no curso de Medicina, comprometido pela odiosa concorrência dos filhos desta nóvel classe média, ambiciosa e arrivista, até ao humilde funcionário autárquico que procura, em desespero, emprego para um seu familiar e que por isso, bajula, em vésperas de concurso público, o vereador que ele cuida mais susceptível de atender ao seu pedido. E poderíamos encher páginas com exemplos semelhantes.
E a que é que se resume, na sua maior parte, a militância partidária, muito particularmente a vivência das juventudes partidárias? Preparam-se aí as futuras gerações para o acto de governação pública? Ora, ora, bem sabe o meu eventual leitor para quê. Recorda-se decerto daquela frase assassina proferida por esse homem fatal, António Guterres, o célebre no jobs for the boys. E como é que se criam e se mantêm as clientelas partidárias? Escuso de pôr mais na carta.
Mas é tudo isto novo? Não é, é velho e revelho. Leia-se Camilo, leia-se Eça, este fado está lá todo descrito. Foi assim na monarquia constitucional, e foi-o antes, foi assim na 1ª República, foi assim na Ditadura, é-o agora em Democracia. O Portugal velho, profundo, castiço, persiste contra ventos e marés, revoluções e mudanças de regime. Claro que tudo isto tem um preço e um preço elevado: a mesquinhez no relacionamento pessoal, a ausência de mobilidade social, a inexistência de uma prática meritocrática e, consequentemente, a incompetência, a falta de espírito profissional, e esta pobreza ancestral que nos tem marcado e nos marca. Ainda agora assistimos ao descolar dos novos aderentes à União Europeia, enquanto nós nos quedamos pela cauda com um crescimento económico ridículo face a todos eles.
Por tudo isto me causa alguma estranheza a náusea com que alguns dos nossos mediáticos comentadores olham e comentam o caso "Apito Dourado". Afinal ele traduz-se apenas no ténue levantar de uma pontinha do tapete para onde, colectivamente, varremos a porcaria. Que a um alienígena, recentemente chegado, e a quem, às primeiras impressões de formalismo e normalidade das ruas e instituições, mostrássemos, sem contemplações, o outro lado, aquilo que todos nós sabemos, admitir-se-ia essa atitude de profundo espanto e repugância. Mas ao indígena, e ainda por cima bem informado, essa atitude de donzela ofendida, tapando pudicamente o nariz com os seus dedinhos, é apenas e só hipocrisia.
 
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domingo, setembro 10, 2006
  Caminhos de Ferro

Após mais que uma secular ligação directa de Beja à capital através do caminho de ferro eis que se perspectiva a perda dessa ligação, adivinhe-se a favor de quem? De Évora, obviamente. Será agora esta putativa capital do Alentejo que, através do seu ramal, objecto de recentes melhoramentos, irá beneficiar dessa ligação directa sendo que aqueles que de Beja se dirijam a Lisboa terão de fazer transbordo na Casa Branca, exactamente o inverso do que ocorria até agora, isto é, quem se dirigia de ou para Évora é que fazia o transbordo.
E eis como o ramal suplantou a via principal. Ramal será agora a via férrea que de Casa Branca se estende até Beja. Provavelmente passámos a contar com o ramal férreo mais comprido do mundo.
E assim, paulatinamente, nos vamos afogando nesta fatal e vil tristeza: perda de valências administrativas, perda de importância económica, uma como que ilha que mais e mais se vai isolando e afastando do todo nacional.
O IP8 continua a ser uma miragem, apesar das promessas sempre renovadas dos nossos deputados socialistas, a abertura do aeroporto para fins civis teima em não ultrapassar o seu actual estádio de novela grotesca e desse outro pilar dito estruturante para o desenvolvimento da região, o porto de Sines, teimam os media em trazer-nos notícias quase sempre pouco animadoras quanto ao seu relançamento.
Há poucos dias, devido ao encerramento de uma maternidade, as gentes de Mirandela vieram para as ruas e para as estradas manifestar o seu descontentamento. Provavelmente nada conseguirão com tal protesto, mas demonstram aos poderes instituídos que não aceitam de forma passiva todos e quaisquer ditames e provavelmente terão conseguido que em futuras decisões que à região digam respeito esses mesmos poderes ponderem melhor as suas decisões. Não proponho que imitemos esses gestos tremendistas e sempre dramáticos das gentes do Norte, mas afirmo que esta nossa habitual passividade conduz a que não nos respeitem e que connosco se permitam "brincar". Pois não será estranho que as ditas forças vivas da região, perante tantas adversidades impostas, que não naturais, não reajam de forma indignada? De que estamos à espera? Que se apiedem de nós? Hoje, em dias de impiedosa competitividade entre estados, regiões e cidades? Não perguntemos que papel nos reservará neste novo mundo que ora se constrói o poder central, os outros, perguntemo-nos que perspectiva temos sobre esse papel que nos propunhamos desempenhar. Mas onde estão essas elites capazes de apontar caminhos, capazes de reivindicar, de nos dar respeitabilidade? Onde estão que não as vislumbramos?
Entretanto Évora vai fazendo o seu caminho. Para os mais distraídos lembro que os socialistas, que por ora nos governam, se preparam para, em breve, aí realizarem o seu Congresso Nacional. Imaginam tal evento a ocorrer entre nós? Nem eu.
Não é que nos importemos muito com isso nem que tal nos faça falta. Mas é que tal acontecimento, ocorrendo em Évora, se traduz num reconhecimento político, e consequentemente social, económico, cultural e o mais que queiram, que a nós nos é claramente recusado.
 
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segunda-feira, setembro 04, 2006
 

Manuais Escolares
Do 1º ao 12º ano o sistema de ensino português tem 2701 manuais escolares. Quem garante a qualidade pedagógica e científica neste vasto oceano de manuais? Nada nem ninguém. É certo que os professores dos grupos disciplinares se reúnem quando é chegada a altura de escolher os respectivos manuais e entre os muitos que à escola e a eles próprios foram enviados, pressurosamente, pelas editoras, lá elegem um. E eis como surge algum critério de selectividade, insuficiente e a jusante de todo o processo, quando a selecção deveria ser feita a montante, antes do envio desses manuais para as escolas e para os professores.
E no entanto desde 1990 que a lei obriga a uma prévia certificação da qualidade dos manuais adoptados pelas escolas. E porque nunca foi tal lei posta em execução? No seguimento de uma queixa apresentada por um encarregado de educação ao provedor de Justiça, a equipa ministerial, chefiada à altura por David Justino, justificou tal com a alegação de que "a constituição de comissões representativas, isentas e competentes para avaliar os manuais escolares que circulam no mercado se torna uma tarefa quase impraticável, morosa e de custos financeiros insuportáveis".
Perante tal demonstração de incapacidade dos governantes anteriores eis que a actual equipa ministerial já fez publicar em Diário da República uma lei que obriga à certificação dos manuais a partir do ano lectivo de 2008/09. Esperemos que desta vez não se fiquem os governantes pelas boas intenções e consigam vencer os obstáculos intransponíveis perante os quais os anteriores se revelaram impotentes.
Mas talvez que os verdadeiros obstáculos à implementação de tal lei não residam particularmente nos motivos invocados pela anterior equipa de David Justino e sim nos chorudos interesses económicos que giram em torno do livro escolar. Por isso já a Associação Portuguesa de Editores e LIvreiros veio alertar para a possibilidade do aumento do preço do livro escolar se tal medida for avante.
Só que a "mão invísivel do mercado" não garantiu, até hoje, um preço acessível desses manuais nem sequer a sua qualidade, sendo que alguns são inadequados de um ponto de vista pedagógico e apresentam clamorosos erros científicos. E isto sei-o eu por experiência própria, dada a minha actividade profissional. E se ao Ministério da Educação não cabe a função produtora de tais manuais, cabe-lhe certamente a certificação da sua qualidade e da sua adequação aos objectivos definidos para o sistema nacional de ensino.
Sejamos claros: ao conteúdo prefere-se a forma. Daí que os manuais apresentem um aspecto tão atraente de um ponto de vista estético, com a utilização de tipos de papel caro e pesado. Pesado, sim. Os manuais, e o demais material, que o aluno se vê compelido a levar para as actividades lectivas representam um peso excessivo passível de lhe provocar mazelas. Que adulto aceitaria deslocar-se diariamente para o seu local de trabalho carregando às costas 15 quilos, exactamente o peso das ferramentas necessárias à execução das suas tarefas? As nossas crianças e adolescentes não transportarão 15 quilos mas numa relação de grandeza com o peso de um adulto cuido não errar por muito.
Parece que tal realidade já despertou a atenção nalguns países, nomeadamente em Itália. Esperemos que tal desperte também entre nós algum interesse. Estou certo de que alguns estudos feitos relativamente ao acima enunciado se revelariam interessantes e de conclusões pouco agradáveis.
E é possível e desejável que o manual escolar seja feito em papel de tipo mais leve, diminuindo em muito o peso que os nossos alunos se vêem compelidos a transportar para a escola. Perderá o livro em cor, brilho, atracção visual, mas o livro escolar deverá valer mais pelo conteúdo e menos pela forma, pese embora haver quem considere que a dignidade do livro escolar seja a mesma de um sabonete ou de um refrigerante.
 
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