O Pacense
domingo, fevereiro 25, 2007
  A Rainha

Passou recentemente no "Pax-Julia" o filme "A Rainha". Para além da estória sobressai a assombrosa interpretação da actriz Helen Mirren, cujo mimetismo com a personagem representada, a Rainha Isabel II, é absoluto. Provavelmente será agraciada com o "Óscar" para melhor actriz pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, e se assim acontecer raras vezes na história dos "Óscares" tal honra terá sido tão merecida.
A estória narra-nos os dias subsequentes à morte, em Paris, de Diana Spencer, Lady Dy, a Princesa do Povo, cognome encontrado para a designar por um dos assessores de Tony Blair, então recém-empossado primeiro-ministro e que melhor que a família real terá compreendido os sinais do tempo e daquele momento tão particular. De uma forma oportunista, mas que poderia ele fazer, decidiu cavalgar a onda de comoção populista que extravasou mesmo as fronteiras britânicas e daí colher dividendos políticos, em oposição a uma atitude, mais que contida, de frio distanciamento de uma família real desorientada e perplexa com a aura popular da defunta e o crescente repúdio de muitos dos seus súbditos face à sua atitude de ausência. A Inglaterra mudara e mudara a tal ponto que a fleuma, a contenção dos sentimentos, o nunca perder a face perante a adversidade, os valores de traça vitoriana, enfim, em que a rainha e a família real haviam sido educados, eram agora de todo desadequados para poder compreender aqueles momentos. Como poderia acontecer tal comoção popular perante a morte de uma mulher de comportamento tão repreensível quanto o da ex-mulher do herdeiro do trono inglês? Blair, que se queria moderno, compreendeu-o e terá então evitado um hiato talvez irreversível entre a monarquia e o povo britânico.
Terá sido Diana Spencer vítima da sua excessiva exposição mediática, que ela não soube, ou não quis, evitar? Há quem o afirme e os media britânicos, decerto mais do que os continentais, canibalizam as suas figuras públicas numa devassa permanente e por vezes indecorosa das suas vidas privadas. Compare-se com a atitude dos media franceses face à vida privada de François Mitterrand ou com os espanhóis face à sua família real, de quem se murmura mas sempre com recato e discrição.
Entre nós, e tanto quanto me lembro, a indiscrição mediática terá atingido o seu auge, pela falta de decoro quando, no pós 25 de Abril, se explorou com fins políticos menos dignos a relação que entre si mantinham Sá Carneiro e Snu Abecassis. Curiosamente, pois outros casos se poderiam apontar acontecidos aquando da Ditadura e nos finais do regime monárquico, este tipo de indiscrições mediáticas visam entre nós quase sempre objectivos políticos explícitos de lançar o labéu da imoralidade sobre o adversário e desse modo desacreditá-lo. Recorde-se, a propósito, a insinuação lançada pela propaganda republicana de que o suicídio de Mouzinho de Albuquerque seria consequência da relação adúltera que este manteria com a Rainha D. Maria Amélia.
Diz-se que quando o rei egípcio Faruk, em 1952, se viu exilado após um golpe de Estado organizado por um movimento militar denominado Os Oficiais Livres, dirigido pelo major e futuro presidente Gamal Abdul Nasser, terá dito que no final do século XX apenas existiriam à face da Terra quatro reis: o de paus, o de copas, o de ouros e o de espadas. Enganou-se, as monarquias continuam a existir e algumas delas sólidas e prósperas. Mas sobreviverá a monarquia inglesa ao fatal desaparecimento de Isabel II? Espero ainda por cá andar para ver.
 
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segunda-feira, fevereiro 12, 2007
  O "Sim " venceu

O "sim" venceu. Está despenalizado o aborto até às dez semanas, quando feito em estabelecimento de saúde autorizado e por vontade expressa da mulher.
Parece que o povo português não é particular adepto destas formas de democracia directa; embora a abstenção tenha diminuído relativamente ao anterior referendo não votaram metade dos eleitores, condição necessária para que o resultado do mesmo seja vinculativo. Não importa. Está estabelecido o consenso entre vencedores e vencidos para que o artigo do Código Penal que criminalizava tal prática seja alterado.
Votei "sim". Fui sensível aos argumentos de carácter social e económico pois, na verdade, quem acabava sendo penalizada era a mulher de mais baixo extracto social.
Ficaram por explicar algumas das minhas dúvidas: porquê dez semanas? Por que razão a lei, decalque da nossa, funcionou em Espanha e entre nós não funcionou?
Espero que agora funcione. É evidente que o aborto clandestino não desaparecerá de todo. Se não desapareceu na civilizada e organizada Suécia como iria desaparecer entre nós? E é claro que haverá mulheres que irão ser criminalizadas; todas aquelas que praticarem o aborto após as dez semanas. Ou talvez não. Cá estaremos para ver.
Mas será bom que a coisa agora funcione. Até porque entre nós se as coisas não funcionam não é por falta de leis; elas existem, só que somos relutantes em aplicá-las. Votei "sim", fui até onde a minha consciência mo permitiu. Garanto que a haver outro referendo sobre a mesma matéria, sejam quais forem os seus pressupostos, votarei "não".
O dado mais relevante a extrair deste referendo, para além da vitória do "sim" foi, na minha modesta opinião, o protagonismo dos muitos movimentos cívicos, quer pelo "sim" quer pelo "não", que obnubilou em grande parte o protagonismo dos partidos políticos. E muito bem. Será isto sinal de um maior vigor da nossa sociedade civil? Era bom que fosse e se expressasse futuramente em novas matérias. Os partidos são estruturantes da vida democrática mas não se esgota neles a participação cívica dos cidadãos. Até porque, e isto é inteiramente verdade, os partidos transformaram-se em máquinas de conquista do poder e distribuição de sinecuras pelas suas clientelas. Poucos são hoje aqueles que neles militam que têm um correcto sentido de serviço público. Creio que foi Churchill que disse que a guerra era um assunto demasiado sério para ficar entregue somente aos militares; parafraseando o ilustre estadista direi eu que a política é um assunto também demasiado sério para ficar entregue apenas aos partidos.
 
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