O Pacense
domingo, junho 25, 2006
  Uma Bandeira Perdida

Dá mostras de alguma dinâmica um recém-criado movimento de opinião pública que visa combater o esvaziamento administrativo de que é alvo Beja de há anos a esta parte. Só é de espantar ter surgido agora. Por muito menos temos assistido por esse País fora ao corte de estradas, vias-férreas e outras manifestações que tais.
O Partido Socialista, que durante anos pregou praticamente só contra tal prática, aparece agora dissociado do movimento. Lembro que ainda no início dos anos 90, simbolicamente, o mesmo Partido mudou a designação da sua estrutura distrital de Federação Distrital de Beja para Federação Regional do Baixo-Alentejo. E dissocia-se deste movimento invocando o quê? Que ele, o movimento, está "capturado", usando uma terminologia agora em voga e inaugurada pela inefável ministra da Educação, pelo Partido Comunista. Concedamos que há alguma verdade nisto. Mas a deserção do Partido Socialista irá contribuir decisivamente para que tal se efective e provavelmente os socialistas estão a deixar cair uma bandeira que dificilmente voltarão a recuperar. Até porque esta tão estranha mudança de estratégia nos parece "capturada" por um seguidismo acrítico relativamente ao poder central, seguidismo esse vassalo do carreirismo de algumas personalidades que pontificam nas estruturas federativas do Partido. Em suma, a aparente satisfação de ambições pessoais compromete uma estratégia coerente e que deveria ser consequente, mas deixou de o ser, de defesa dos interesses, mais do que de Beja, do Baixo-Alentejo.
Com a agravante de que tal situação está a levantar divisionismos internos entre os socialistas, para além daqueles já existentes pela actuação do governo central, a quem recentemente chamaram, numa reunião de notáveis realizada no Porto, "comissão liquidatária", liquidatária do incipiente estado social que construímos até agora, entenda-se. A presença de vereadores socialistas da Câmara Municipal de Beja numa recente reunião desse movimento de opinião é sintomática das rupturas internas que entretanto se verificam em torno desta questão.
E o Partido Comunista? Porquê esta tão imprevista e surpreendente inflexão estratégica? Decerto que a ela não será indiferente a recente mudança de gestão camarária. Mas ilude-se quem cuidar que tal alteração estratégica é devedora a uma qualquer estratégia autónoma da mesma Câmara. Se alguma autonomia existiu na gestão camarária relativamente aos ditames da Rua Ancha foi nas anteriores gestões camarárias de Carreira Marques. Esta inflexão estratégica é devedora sim ao frio pragmatismo que norteia a actuação política dos comunistas. O sonho do grande Alentejo, com a sua centralidade em Évora, já lá vai e agora trata-se tão somente de salvar o essencial e conservar os redutos que ainda mantêm em seu poder.
E Évora, esse eucalipto que os comunistas ajudaram a crescer, perfila-se agora como sério obstáculo ao crescimento harmonioso e à coesão territorial do todo alentejano.
Repare-se: em apenas três ou quatro anos a mais-valia agrícola do projecto de Alqueva, razão primeira da sua existência, foi sendo paulatinamente esvaziada em favor da sua mais-valia turística. Se os terrenos a irrigar se situam maioritariamente no Distrito de Beja, os projectos turísticos que vêm sendo anunciados situam-se quase todos no Distrito de Évora. E o I.P 8, essa via estruturante para o desenvolvimento do Baixo-Alentejo? Para quando a sua construção? E já repararam no traçado da via que nos é proposto? Qualquer cidadão comum, sem conhecimentos de engenharia mas fundado no senso comum, que é a minha condição e creio que a condição da maioria dos leitores que a estas linhas vierem parar nas sua navegações internáuticas, saberá que quando se pretende traçar uma estrada entre dois pontos se procurará sempre o traçado mais curto entre esses dois pontos. Pois o traçado do I.P. 8 não obedece a este critério ditado pelo mais elementar bom senso: sai de Sines, sofre uma brusca inflexão para nordeste em direçcão a Grândola, isto é, a Évora, e para recuperar o traçado do mesmo I.P. 8 há que rumar a Sul pela A. N. 2. Confuso? Não tanto. É que o I. P. 8, pensado para servir como corredor Sines-Beja-Ficalho-Sevilha, terá, pelo que parece, como sua primeira prioridade o corredor Sines-Évora- Badajoz.
Procurai razões que expliquem os atrasos verificados em outros projectos estruturantes para o Baixo-Alentejo e decerto encontrareis pistas que vos conduzirão inevitavelmente a Évora.
Pobre Beja, que tão mal estás servida de elites. 
|
sábado, junho 03, 2006
  Uma Reportagem Tardia


A R.T.P. passou, em horário dito nobre, e ainda bem, uma reportagem que deixou o País à beira de um ataque de nervos. Algo de imprevisto, recente? Não, a reportagem apenas mostrou uma realidade que não é de hoje nem de ontem, é de há muito e que de forma gradual, paulatina se vem agravando ano após ano; a violência e o ambiente de generalizada indisciplina que grassa nas nossas escolas. Desconhecida esta realidade? Mas se ela tem sido denunciada já por inúmeras vezes pelos professores que a sofrem no seu quotidiano, impotentes para lhe pôr termo já que sistematicamente desautorizados pela tutela ministerial. Toda a gente ouviu dizer, mas todos fingiram ignorar: a tutela porque imersa em teorias pedagógicas pseudo-científicas, mais interessada em boas estatísticas do que na qualidade do ensino que seria suposto tentar proporcionar às crianças e jovens, os sindicatos porque cúmplices, coniventes e até instigadores de tais práticas pedagógicas e a sociedade, os pais e encarregados de educação, que na sua maioria se demitiram da educação e formação dos seus educandos, despreocupadamente cometendo à escola tais responsabilidades e sem tempo nem pachorra para indagarem se os seus educandos eram efectivamente educados ou se medravam em ambientes que os predispunham mais para comportamentos delinquentes do que para a adopção de condutas responsáveis.
Esta reportagem teve o condão de mostrar, não apenas de dizer. Daí o pretenso choque. E não se diga que aquela Escola, a mostrada na reportagem, é uma excepção, não o é. Na maioria das escolas a violência e a indisciplina não atingirão tal gravidade, como a que nos foi mostrada na dita reportagem, mas em todas as escolas públicas, em maior ou menor grau, existe um clima de indisciplina, de desrespeito pelas mais elementares regras de convívio e um sentimento de quase total impunidade por parte de vândalos que diariamente se permitem cometer desmando sobre desmando. Gastamos mais do que os nossos parceiros europeus na educação e temos piores resultados? Até poderíamos gastar ainda mais que os resultados seriam exactamente os mesmos. Porque enquanto este clima de laxismo, indisciplina, irresponsabilidade e impunidade não der lugar a um outro que se paute pela auto-responsabilização de alunos e encarregados de educação e pela exigência e rigor nas aprendizagens e avaliações jamais sairemos do pântano onde décadas de insensatez e delírio pseudo-científico nos atolaram. O robusto edifício conceptual que em torno de tais bondosas teorias se foi arquitectando, as milhentas teses de mestrado e doutoramento que à sua sombra se foram engendrando, o fazerem tais teses pertença do mainstream ideológico, o serem politicamente correctas, tudo leva a crer que a situação ainda estará para durar. Poucas são as vozes que a ousam pôr em causa: Eduardo Prado Coelho, Maria de Fátima Bonifácio, Maria Filomena Mónica e poucos mais.
Entretanto, porque o mensageiro, o professor, não traz boas novas, opta-se por matar o mensageiro, não por transformar a realidade. E assim é o professor o miserável culpado por todos os males de que enferma o ensino. A actual ministra da educação usa para com eles de uma linguagem que, estou em crer, nem já os sargentos usam para com os recrutas. São sonegados a professores com dezenas de anos de carreira direitos adquiridos, sim adquiridos, senhor José Manuel Fernandes, com um total despudor. Procedimentos tais dariam azo, a acontecerem entre privados, a processo judicial.
A senhora ministra é ministra há um ano, eu sou professor há trinta e dois. E sou, senhora ministra, como a maioria dos meus colegas, assíduo e zeloso no cumprimento dos meus deveres profissionais. E acho inadmissíveis a forma e o conteúdo das afirmações que sobre nós tem produzido. De uma coisa eu estou certo; a senhora deixará de ser ministra e eu professor continuarei, não já por mais quatro anos, como estava implícito no acordo que com o Estado firmei quando iniciei a minha carreira docente, mas por mais doze, conforme as novas regras de aposentação. Mas será por mais doze? Quando se quebra um contrato firmado há mais de trinta anos são agora de esperar todas e quaisquer arbitrariedades, pois não é verdade senhor José Manuel Fernandes?
A senhora ministra ir-se-á embora, embora na acepção etimológica da palavra, em boa hora, em boa hora para todos nós. E quando abalar mande, se quiser, saudades, que é coisa que cá não deixa.
Acabo de uma forma deselegante, deseducada, não é meu costume. Mas não resisti. É que é difícil resistir a tanta afronta sem perder a compostura.
 
|

Artigos Recentes
Arquivos
Links


Powered by Blogger

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com