O Pacense
domingo, maio 27, 2007
  O Deserto a Sul do Tejo

Alguns membros do actual governo parecem ter uma irresistível atracção para a asneira e como não há uma sem duas nem duas sem três, costumam elas vir em catadupa. Então não é que o senhor ministro Mário Lino, em argumentário pobre justificativo da opção Ota para o futuro aeroporto internacional de Lisboa, nos vem dizer que a construção do mesmo jamais, em francês, será na margem sul do Tejo, pois ali não há mais do que um deserto, sem escolas, hospitais, rodovias e ferrovias, sem hotéis?
Sabia eu que vivia em terra sempre tratada como parente pobre e deserdado pelos sucessivos governos que têm ocupado o Terreiro do Paço, mas chamar deserto a metade do País? Digo bem, metade do País, pois se o senhor ministro considera desérticos territórios que distam escassas dezenas de quilómetros de Lisboa, então onde viverei eu, que habito a quase duzentos quilómetros a sul da preclara e civilizadíssima capital?
Mas se a região é um deserto que têm feito ou o que fazem os senhores governantes para que assim não seja? Mandam as boas regras da administração política cuidar da coesão e boa harmonia territorial pelo que os investimentos, aqueles capazes de gerar desenvolvimento, como será o caso vertente,deverão privilegiar as regiões mais desfavorecidas. Parece não ser esse o juízo do senhor ministro.
E depois o senhor ministro revela-se ainda ignorante da geografia nacional, ao referir-se a esses territórios da margem sul do Tejo como pertencentes ao norte alentejano. Ora acontece que não são tal, pois já integram a província da Estremadura. E acresce ainda que o argumentário utilizado, na forma e no conteúdo, não revela a necessária elevação, aquela que é própria da dignidade da função ministerial.
Não sei qual a localização ideal para o futuro aeroporto. Não tenho nem informação nem formação suficientes para opinar sobre o assunto. Mas sei que tal projecto, pela sua dimensão, custos, impacto ambiental e características estruturantes para o futuro desenvolvimento económico nacional, terá que ser muito bem ponderado. Suponho que uma decisão final sobre onde deverá ser construído o futuro aeroporto, mais do que uma decisão política, será sempre uma decisão de carácter técnico, apoiada em estudos e pareceres sólidos feitos por entidades credenciadas e sérias. Deveria ser assim, mas quando o senhor Presidente da República vem dizer que é necessário, sobre esta matéria, um debate "sério" em sede parlamentar, parece que tal ainda estará por fazer.
Por vezes tenho a incómoda impressão de viver num país com estranhas idiossincrasias. 
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domingo, maio 13, 2007
  O Fiel Amigo

Muito se tem dito e escrito, nos últimos dias, acerca do abate de 16 cães, segundo li, pelos serviços municipais de veterinária. Contudo a polémica parece-me estar descentrada, pois que se discutem os efeitos em detrimento das causas.
O abate de cães, seja em que circunstâncias for, não vai sem alguns engulhos de consciência. Ele é o fiel amigo, sobre ele se contam inúmeras histórias de abnegação, sacrifício e lealdade, desde tempos imemoriais que connosco vive, desempenhando as mais variadas e úteis tarefas. Mas isso não basta para o tornar sujeito de direitos, nomeadamente o mais importante de todos, o direito à vida. Por isso a lei prevê o seu abate em circunstâncias determinadas e presumo que, no caso vertente, o tenha sido dentro do estipulado na lei. Todos os dias se abatem no País milhares de animais destinados à nossa alimentação e, por denúncia já bastas vezes feita nos media, nem sempre o seu transporte e abate se processa nas devidas condições, provocando nos animais sofrimentos moral e legalmente condenáveis. E no entanto nunca tais factos têm na opinião pública as repercussões que o abate do fiel amigo sempre provoca. E contudo deveriam tê-las.
Por muito que nos doa é inviável ao canil municipal, bem como ao canil sustentado pelo Cantinho dos Animais, acolher todos os cães que se lhes deparem abandonados, por óbvias razões de espaço e finidade de recursos. Alguns acabam adoptados mas a maioria jamais o será. Que fazer então? Esperar que morram de velhice? Seria essa a solução mais conforme com os nossos sentimentos mas, sabemo-lo todos, tal solução é inviável.
Assim não foi esta a primeira vez que cães foram abatidos, ou eutanasiados, usando uma expressão mais conforme aos usos politicamente correctos, tão em voga, nem, infelizmente, será a última vez que tal prática será cometida pelos serviços municipalizados. O próprio Cantinho dos Animais já o terá feito, decerto que como último recurso.
E era aqui que todo este debate deveria ser centrado: nos motivos que levam a que cães tenham periodicamente que ser abatidos. E o motivo é apenas um: o abandono dos animais por energúmenos que os adoptam e depois, as mais das vezes por motivos fúteis, os abandonam. Aqui onde vivo, já o disse em blog anterior, as épocas críticas para o aparecimento de cães abandonados são a época venatória e a época de veraneio. Leva-se o cão à caça; não provou, amedrontou-se com os tiros? Abandona-se. A família parte de férias; não há com quem deixar o animal, é um empecilho que não entra em praia nem em restaurante. Que fazer? Abandona-se. Afinal o cão não é propriamente um bibelot que se põe na estante e de vez em quando se limpa do pó com um espanador: o cão defeca, urina, suja-se, adoece e o capricho inicial começa a revelar-se muito trabalhoso. Afinal o cão é um trambolho que só causa problemas. Que fazer? Abandona-se.
E é a esta lastimável prática que urge pôr cobro. Como? Instituindo a obrigatoriedade de registo do animal e identificando-o através da inserção de um chip. Assim se saberá a quem pertence e assim se poderá penalizar quem abandona ou é negligente na forma como trata o seu cão. O que não é nenhuma novidade pois em muitos países já é feito.
Só é sujeito de direitos quem é sujeito de deveres e se o cão o não é somo-lo nós, sujeito de deveres que implicam, entre tantos, o de não usarmos de crueldade para com os animais. 
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terça-feira, maio 01, 2007
  24.ª Ovibeja

Decorre a 24.ª edição da Ovibeja. A todas assisti e, com agrado, fui verificando o seu constante crescimento até se transformar naquilo que hoje é, o maior mostruário das actividades económicas da região e, creio, a maior feira a sul do País. Incipiente, titubeante nos seus inícios, ocupando apenas o antigo Pavilhão das Lãs, sendo quase somente uma exposição ovina, pois foram ovinicultores que a iniciaram, medrou, cresceu e atingiu uma maioridade pujante e assertiva.
A outra grande feira, a Feira de Agosto, de S. Lourenço e Santa Maria mais propriamente dita, foi definhando e acabou definitivamente. Era já um anacronismo. O mundo rural, que era a sua matriz, mudou, transformou-se, e a Feira perdeu a sua razão de ser. Assinalava ela o fim do ano agrícola, quando patrões e assalariados saldavam as suas contas. Era por Santa Maria que se tabelavam os preços dos cereais que eram, à falta de numerário, utilizados também como moeda de troca. Era ela o corolário do ano agrícola e a sua grande festa final.
A centenária Feira morreu Mas o tempo, e particularmente o tempo económico, não se compadece com nostalgias e tradições. Havia que mudar e em boa hora se soube mudar para um outro tipo de evento mais conforme com as novas realidades económicas.
Olhando o programa dos espectáculos previstos para a presente Ovibeja verificamos que, para além da tradicional corrida de touros, tão do agrado de um público fiel, fiel ao espectáculo e às suas raízes rurais, há todo um conjunto de actividades previstas que privilegiam exactamente esse público e o público dito jovem. Compreende-se, a feira existe em função do mundo rural e porque a cidade, com o surgimento do ensino superior politécnico, viu subir exponencialmente a sua população juvenil, compreender-se-á também que se tenha em atenção a população jovem, que além de numerosa tem algum poder de compra, pois assim se viabiliza a animação até altas horas e se viabiliza também o sustento económico das numerosas tascas e tasquinhas que sempre pontuam o recinto da Feira. Menos compreensíveis serão as libações alcoólatras a que grande parte dessa juventude se devota madrugada adiante, mas enfim, calemo-nos antes que nos chamem moralistas, coisa que obviamente não pretendemos ser.
Pessoalmente sinto-me arredado de toda essa programação cultural. Não tenho raízes rurais, sou mais urbanus que paganus, e por outro lado já atingi aquilo que se denomina por meia-idade. Decerto que não estou sozinho. Em suma, cuido que ficará por contemplar uma grossa fatia da população citadina, pois que a cidade já terá hoje uma dimensão média e a maior parte da sua população não tem vínculos à ruralidade, são gente dos serviços e de hábitos urbanos, com exigências que a programação cultural prevista de todo não contempla. Ele há públicos e públicos. E a realidade atrás descrita será cada vez mais saliente, pois o crescimento da cidade, que não sendo rápido, se vem revelando gradual e constante, assim o ditará. Não seria pois tempo de em futuras edições da Ovibeja ter um maior cuidado na sua programação cultural, tendo em atenção tais públicos? Aqui fica a sugestão.
 
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