O Pacense
segunda-feira, maio 22, 2006
  Plano Nacional de Leitura


Ontem, Domingo, na sua habitual crónica no jornal "Público", Vasco Pulido Valente, com a truculência a que nos habituou, desancava forte e feio no Plano Nacional de Leitura, para cuja Comissão de Honra havia sido convidado, convite que recusou. Entre outros mimos dizia que "O Plano Nacional de Leitura" não passa de uma fantasia para uns tantos funcionários justificarem a sua injustificável existência e espatifarem milhões, que o Estado extraiu esforçadamente ao contribuinte". Não sei quanto de verdade assiste àquilo que V. P. V. nos diz, mas sendo ele pessoa bem informada suponho que alguma. Mas que a promoção dos hábitos de leitura é uma causa nobre disso não tenho eu a menor dúvida. Pode ser que as pessoas disso encarregadas não sejam as mais capazes, poderá acontecer que este Plano em nada resulte e tudo não passe de mais um alfobre onde colocar mais uns quantos clientes políticos que assim, após todo o alarido e propaganda iniciais, em breve cairão na modorra e assim poderão ir tratando da sua vidinha na mais completa inactividade e obscuridade, criando-se mais uma instituição, a somar a tantas outras, que um dia alguém descobre que existe mas já não se sabe muito bem para o que serve.
Mas a promoção de hábitos de leitura, num povo tão arredio a tais práticas, tem uma nobreza inegável. Depende tudo do modo como tal se fará.
Que os tempos não têm corrido a favor das práticas de leitura é uma evidência: primeiro foi o telefone, a seguir a rádio, depois foi a televisão, depois vieram as tecnologias da informação e comunicação, os telemóveis, enfim, o áudio-visual foi paulatinamente tomando o campo à palavra escrita e até mesmo ao hábito da charla, entre familiares, entre amigos. Que o combate é de monta não há dúvida. E que os hábitos de leitura ou se adquirem na infância ou dificilmente virão algum dia a adquirir-se é uma evidência. Antes da emergência das novas tecnologias de informação e comunicação éramos demasiado pobres e tínhamos demasiados analfabetos para que tais hábitos se enraizassem de forma significativa entre nós. Quando ultrapassámos tais impedimentos já haviam feito vencimento as tais tecnologias. Andámos tarde, o que também é pecha nacional.
Eu, que adquiri tais hábitos na infância, tenho quanto a isso uma enorme dívida de gratidão para com as bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian. Foi há mais de meio século já que a Fundação iniciou esse tão meritório serviço ao País, que não sei se algures no Portugal mais profundo ainda se continua. Recordo a impaciência com que sempre aguardava a vinda da carrinha, repleta de livros, à aldeia onde então vivia e que eu, sem nada dar em troca, podia levar para casa a meu bel-prazer. E foi a Fundação que me permitiu o contacto com Júlio Verne, Emílio Salgari, mais tarde com Zola, John dos Passos, Erico Veríssimo, Jorge Amado, Camilo, Eça e tantos outros. As horas de profundo prazer que tais leituras me proporcionaram é à Fundação que o devo. Seria eu hoje o mesmo sem essas leituras? Seguramente não e seguramente não seria melhor. E como eu quantos e quantos milhares de portugueses, vivendo na ignorante simplicidade da província de então, não terão esta mesma dívida de gratidão?
V. P. V., não sei se o senhor terá inteira razão. Eu gostaria que não tivesse. E se o Plano Nacional de Leitura conseguisse trazer a tais práticas mais uns milhares de portugueses eu penso que o combate já teria valido a pena. Como valeu a pena o serviço de bibliotecas itinerantes de há algumas décadas.
 
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domingo, maio 07, 2006
  OVIBEJA


A Ovibeja, que encerra hoje, vai já na sua 23ª edição.
Ao longo destes anos cresceu e afirmou-se como uma das mais importantes, senão mesmo a mais importante feira agrícola nacional. Numa região falha de dinamismo económico e onde a iniciativa privada não é particularmente acarinhada pela força política dominante ao nível autárquico, convenhamos que é obra. Ainda mais porque o Terreiro do Paço tardou, e muito, em reconhecer-lhe a importância que lhe era devida. Todos recordam decerto, aqueles que por estas coisas se interessam e delas guardam memória, como a feira decorria, nos seus anos iniciais, perante a total indiferença não só do poder político central como também dos órgãos de informação de expansão nacional.
Só tardiamente nela repararam. Foi a Ovibeja que se lhe impôs pela sua dimensão, porque não reparar neste evento era já, como nós dizemos, "estar na aldeia e não ver as casas".
E hoje é vê-los num corrupio visitando a Ovibeja, oriundos de todos os quadrantes políticos, em busca do protagonismo que tal visita lhes proporciona. Ironicamente é hoje a classe política que necessita da Ovibeja, é ela que integra a sua agenda política, não a Ovibeja que necessita dos seus favores para se afirmar.
As feiras de antanho, que cumpriam o seu papel económico acompanhando as etapas de desenvolvimento do ano agrícola, feneceram e hoje poucas subsistem. A Feira de Beja, dita de S. Lourenço e de Santa Maria, coincidia com o encerrar do ano agrícola e teve a importância própria de se realizar no seio de uma das zonas agrícolas mais importantes do País. Apesar de algumas más cosméticas que lhe foram sendo aplicadas ao longo dos últimos anos está definitivamente acabada. É um anacronismo e em economia, mais do que em qualquer outra actividade, e porque uma feira é essencialmente um evento de carácter económico, os anacronismos não perduram por muito tempo.
O êxito da Ovibeja advém-lhe do facto de ter o modelo adequado aos tempos de hoje. Nela não se compram cereais nem alfaias, tampouco vestuário para o próximo Inverno nem é momento ideal para diversão; ela é sim a montra das potencialidades económicas da região, mostruário ainda de muitas e diversificadas actividades, nem todas elas ligadas à actividade agrícola, e uma oportunidade de negócio. Além de que já não andamos imersos em nuvens de pó e com a cabeça à esturreira. Os burgueses em que nos tornámos já não o suportariam.
As mais valias advindas do projecto de Alqueva far-se-ão necessariamente sentir na economia regional e com isso a Ovibeja ganhará ainda mais importância. Haja fé. A mesma fé que animou uma despretensiosa exposição de gado ovino num armazém de lãs e que, com o tempo, se veio a transformar no grande evento que é hoje a Ovibeja.

A propósito de esturreira: o escriba destas linhas procura, neste seu passatempo, não cometer erros, pelos menos aqueles ditos de palmatória, consciente embora de que alguns poderão passar ao seu crivo que é decerto limitado. Por isso procurei em alguns dicionários o termo esturreira, duvidoso que estava de o mesmo lá se encontrar registado. Não o encontrei. É pena. Trata-se de um regionalismo bem expressivo e que tantas vezes ouvi referir quando, em criança, brincava na rua nas longas e ardentes tardes de Verão e a minha mãe me admoestava por eu andar há tanto tempo com a cabeça à esturreira.
 
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