O Pacense
domingo, outubro 29, 2006
  Escolha o Melhor Português

Ainda está a tempo de escolher aquele que considera o maior português de todos os tempos, pois a votação decorre até 31 de Outubro.
Mas que sentido tem votar no maior português de todos os tempos, em mais um passatempo televisivo? Nenhum, a não ser participar em mais um passatempo televisivo.
Quem foi o maior de todos os portugueses? Decerto que foi aquele cujas acções maior impacto e mais e maiores consequências positivas tiveram tanto interna como externamente. Este será o princípio. Mas se na listagem proposta nos surgem nomes de fadistas, futebolistas e quejandos já se está a ver no que toda esta paródia poderá dar.
Mas para votar no maior de todos os portugueses necessário será que aquele que vota tenha sólidos conhecimentos da história pátria e universal para que possa votar em consciência. Está preenchida esta liminar condição? Obviamente não. Ainda há poucos dias, a propósito do feriado de 5 de Outubro, se perguntava, em inquérito televisivo de rua, se os cidadãos passantes sabiam o porquê do feriado. A maioria das respostas revelava a mais crassa ignorância. E é esta gente que vai votar no maior português de todos os tempos? Vou ali e já venho.
E depois o voto será sempre condicionado, para além da ignorância da maioria, pela postura ideológica e cultural de cada um. Se se perguntar a um clérigo qual o maior de todos os portugueses nada me escandaliza que ele responda que foi Santo António. E porque não? Mas já merece o meu protesto que um proeminente político da nossa praça venha a público advogar a causa de Afonso Costa? A que propósito? Será porque um foi e o outro é pedreiro-livre? Não me parece suficiente. Pelo exemplo escolhido dir-se-á que não sou republicano. Sou-o e até sou agnóstico. Sou portanto insuspeito na escolha de tal exemplo, que foi esse porque foi esse que de momento me ocorreu. Mas que a figura de Santo António tem muito maior revelância externa do que Afonso Costa parece-me evidente.
O modelo não é original, já foi testado, que eu saiba, na Grã-Bretanha, ou Inglaterra, não estou certo, e em França: ganharam Churchill e De Gaullel, respectivamente. Foram estes o maior inglês e francês de todos os tempos? Grandes foram-no, decerto, mas os maiores? Perguntar-se-á sempre, sejam eles quais forem.
Mas há aqui um outro senão e grave: é que aqui não vale um princípio básico de qualquer eleição democrática, que é o de um homem um voto. Nada impede que um qualquer vote tantas vezes quantas queira nem nada obsta a que se constituam sindicatos de voto. Mas que importância tem isso? Nenhuma, trata-se de mero entetenimento.
Não irei votar, não estou interessado em participar em entretenimentos pouco sérios. E se votasse votaria num herói que não vem listado, votaria num herói colectivo, aquele que lavrou os campos, embarcou nas caravelas e edificou um império e, quando calhou, pegou em armas para defender o território, que foi quase sempre mal governado por elites cúpidas, estúpidas e dessolidárias e que, mesmo assim, nunca teve estados de alma sobre a sua condição de português, votaria no povo português.
 
|
domingo, outubro 15, 2006
  Ele há muitas maneiras de matar pulgas

No passado dia 5 de Outubro o telejornal das 20.00 horas da nossa estação oficial de televisão abria com um sequestro verificado nesse mesmo dia numa agência bancária de Setúbal; e com essa cacha se consumiram largos minutos. Foi esse, nesse dia 5 de Outubro, na opinião daqueles que fazem o alinhamento noticioso do oficioso telejornal, o acontecimento mais candente, mais relevante de quantos aconteceram urbi et orbi.
E no entanto, nesse dia, comemorava-se mais um aniversário da implantação da República: não iria mal à R.T.P. que, num esforço cívico e pedagógico, aludisse logo no início ao facto histórico, atendendo à crassa ignorância que os portugueses demonstram relativamente aos mais elementares factos da sua História, como tantos inquéritos de rua o demonstram; e no entanto, nesse dia, dia da implantação da República e Dia do Professor, havia-se realizado em Lisboa uma manifestação de professores que foi só a maior de quantas se realizaram no pós-25 de Abril.
Confesso que estive atento à abertura dos noticiários das 20.00 horas das três estações televisivas mais importantes e somente a T.V.I abriu o seu serviço noticioso aludindo à referida manifestação. E apesar de ter feito constantes zappings à R.T.P. acabei por não ver qualquer referência à manifestação, tão escasso foi o tempo que lhe dedicaram, como no dia seguinte confirmei junto de colegas de profissão.
Um conhecido crítico de televisão comprovou, faz semanas, de cronómetro na mão, que o tempo dedicado à cíclica temática dos incêndios de Verão pela R.T.P era bastante menor do que o dedicado pelas restantes estações televisivas, além de que tais notícias surgiam tarde e a desoras, imersas na longa e fastidiosa novela da irrelevância quotidiana em que se transformaram os telejornais, mormente o da R.T.P.. E sabe-se como tais notícias sobre os incêndios estivais queimam não apenas as matas mas também a reputação dos governantes, incapazes que têm sido, ano após ano, de lhes pôr cobro. Não sei se são os governantes que determinam o alinhamento do serviço noticioso da R.T.P.. Não cometerei o dislate de o afirmar para não me ver nalguma embrulhada jurídica, como aconteceu ao conhecido crítico televisivo, além de que ele tem quem lhe respalde as costas e eu tenho-as nuas. Mas também é verdade que, desde criança, ouço dizer que há muitas maneiras de matar pulgas.
Ainda hoje, dia 15 de Outubro, o serviço noticioso da nossa oficiosa estação televisiva abriu, às 13.00 horas em ponto, com um directo a Vila Flor onde o secretário-geral do Partido Socialista, José Sócrates, note-se, o secretário-geral e não o primeiro-ministro, fazia a apresentação, a militantes, da moção que se propõe levar ao Congresso dos socialistas, a realizar em breve. Mas que coincidência interessante: logo foi às 13.00 horas em ponto que José Sócrates pronunciava aquelas palavras de profundo entusiasmo e optimismo militantes para aquela plateia atenta e reverenciadora; e logo em Vila Flor, que nome tão lindo, vila e sede de concelho do distrito de Bragança (eu também não sabia, fui agora vê-lo a um dicionário enciclopédico).
E assim vai o serviço noticioso da nossa oficiosa R.T.P.. Bem, sempre podemos utilizar o comando à distância e observar o que nos contam as outras estações televisivas (confesso que é o que já faço há algum tempo). Mas o mesmo não podemos fazer a quem nos governa. E como temos que os sofrer por quatro anos pois os mandatos são para cumprir até ao fim, embora a tradição recente tenha apontado no sentido da fuga torpe e irresponsável, seria de esperar um pouco mais de decoro e discrição.
Mas talvez eu esteja a ser injusto relativamente ao alinhamento noticioso hoje verificado na R.T.P.: é verdade que também foi dito, e logo no início da peça, que José Sócrates havia chegado a Vila Flor na maior das harmonias, não se verificando nas ruas qualquer contestação à sua presença. Decerto que era esta a grande notícia que justificava plenamente a abertura do serviço noticioso das 13.00 horas. 
|
domingo, outubro 01, 2006
  Sob Sequestro

A Deutsche Oper, de Berlim, retirou de cartaz a ópera Idomeneu, de Mozart, por recear ataques de extremistas islâmicos pois que nesta versão, do encenador Hans Neunfels, se inclui uma cena em que, sobre quatro cadeiras, surgem as cabeças decepadas de Buda, Cristo, Maomé e do deus grego do mar, Posídon, cujo equivalente na mitologia romana é o tridentífero Neptuno. Parece que o libreto da ópera não faz qualquer alusão aos valores islâmicos sendo esta cena, portanto, resultado da imaginação criadora do encenador. Em má hora a teve, pelos vistos.
O curioso é que, aparentemente, ninguém se terá preocupado com os sentimentos dos cristãos ou dos budistas, pois que quanto ao deus Posídon, velho de mais de dois milénios e por isso com precedência histórica sobre os outros, já não há quem o defenda, remetido que está para o reino da fantasia mitológica.
Mas que fazer com todas aquelas obras culturais que ao longo dos séculos o Ocidente foi produzindo e onde as referências ao islamismo e seus seguidores são frequentes e pouco abonatórias, quando não claramente ofensivas? Vamos rasurá-las? Vamos pedir desculpa por outros, antes de nós, as haverem produzido? Teremos nós que engendrar um novo Index inquisitorial?
Punhamos nós, portugueses, o caso de Os Lusíadas, cuja importância identitária será estulto enfatizar, por demais sabida, e onde as referências negativas ao Islão são recorrentes. Vejamos um exemplo, Canto IV, estrofes 100 e 101:
100
Não tens junto contigo o Ismaelita,
Com quem sempre terás guerras sobejas?
Não segue ele do Arábio a lei maldita,
Se tu pela de Cristo só pelejas?
Não tem cidades mil, terra infinita,
Se terras e riqueza mais desejas?
Não é ele por armas esforçado,
Se queres por vitórias ser louvado?
101
Deixas criar às portas o inimigo,
Por ires buscar outro de tão longe,
Por quem se despovoe o reino antigo,
Se enfraqueça e se vá deitando a longe.
Buscas o incerto e incógnito perigo
Por que a fama te exalte e te lisonje,
Chamando-te senhor, com larga cópia,
Da Índia, Pérsia, Arábia e Etiópia.
Todos decerto reconhecem aqui a célebre invectiva do Velho do Restelo, quando a armada do Gama se apresta para zarpar a caminho da Índia. E contudo, à luz dos cânones morais hodiernos, quão politicamente incorrectas são estas estrofes. E bem andaríamos se fosse esta a única referência feita em desabono do Islão. Dê-se o leitor ao trabalho e verá quantas encontra. E então? Será que em algum dia futuro teremos que abjurar de Os Lusíadas e em nome do Poeta pedirmos desculpa? Será que teremos que editar clandestinamente a epopeia e lê-la no segredo de algum antro, qual clube de poetas mortos, por forma a não ferir a tão susceptível irritabilidade da rua muçulmana?
Até onde poderão ir as cedências e os pedidos de desculpa? Ele foi o caso das caricaturas, ele foi a aula de sapiência proferida pelo Papa em Ratisbona e ele foi agora, mesmo sem quaisquer protestos ou ameaças, veja-se já o grau de temor e condicionamento, a ópera Idomeneu. E não tenhamos ilusões, amanhã será outro qualquer pretexto, por mais insensato que nos possa parecer. Ainda recentemente se assassinou uma freira na Somália e se queimaram no Cairo efígies em papel do Papa em represália pelas palavras pretensamente ofensivas por ele proferidas. Algum dignitário do mundo islâmico pediu desculpa por tais excessos? Que eu saiba não. E contudo alguém o deveria ter feito.
Diálogo? Decerto. Tolerância e respeito pelos valores alheios? Plenamente de acordo. Mas é fundamental que haja reciprocidade.
Diz o povo que a quem muito se baixa o rabo lhe aparece. E o Ocidente há algum tempo já que anda a mostrá-lo.
 
|

Artigos Recentes
Arquivos
Links


Powered by Blogger

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com