O Pacense
domingo, abril 15, 2007
  Problemas e Problemas

O caso das habilitações académicas do senhor primeiro-ministro tem feito correr rios de tinta, como diria o chavão, hoje anacrónico, pois já ninguém escreve molhando, diligente, a pena no tinteiro. Mas à falta de hipérbole ao gosto mais hodierno, tem de facto feito correr rios de tinta tal polémica.
Para além dos seus contornos políticos, revela-nos tal polémica dois aspectos ambos bem desagradáveis: a notória falta de qualidade do ensino privado público e o nosso persistente e pacóvio deslumbramento perante os títulos académicos.
É-nos agora mais evidente a degradação pedagógica e o caos administrativo em que se afundou algum do ensino superior privado. Para os arautos da excelência da iniciativa privada face ao sector público, espera-se que estes recentes acontecimentos sirvam de motivo para séria reflexão. A iniciativa privada pautar-se-á sempre pela busca do lucro e, pelos vistos, lucro e educação não casam bem. A raiz de todo o mal está na captação da clientela estudantil. E se inicialmente a procura era muita, bastou que ela decrescesse para que os vários estabelecimentos de ensino superior privado baixassem a fasquia do necessário rigor pedagógico. E que fique de aviso à navegação: uma eventual liberalização do ensino básico e secundário, como algumas luminárias constantemente proclamam, levaria ainda a uma sua maior degradação. Dizer e pensar o contrário é próprio de quem não sabe do que está a falar por desconhecimento das realidades do sector educativo.
Mas se o senhor primeiro-ministro não queria exercer a profissão de engenheiro para quê a procura do título? Porque um título académico fica sempre bem, traz estatuto e respeitabilidade, perante o doutor ou o engenheiro logo o indígena se desbarreta e adopta uma postura de formal respeito. Curiosa prática esta no país da União Europeia com menos licenciados. Imaginaríamos nós um primeiro-ministro, ministro ou secretário de estado sem a auréola do título académico? Não, impensável. E no entanto muita gente, muita mesmo, em muitos sectores da vida nacional triunfa, prospera sem atavios académicos. O senhor Leonel Cameirinha é o empresário de maior sucesso na região e, tanto quanto sei, tem a instrução básica.
Tudo isto poderá não ter consequências políticas imediatas, provavelmente se a oposição continuar a bater nesta tecla sofrerá as suas consequências por ricochete; a escassas semanas de Portugal assumir a presidência da União Europeia e porque carecemos de estabilidade política como de pão para a boca, decerto que o passo seguinte não será o pedir-se a demissão do governo e o antecipar de eleições. Mas que esta mancha ficará apegada ao primeiro-ministro e ao seu governo isso ficará. E sempre que, futuramente, nos vierem falar de disciplina e rigor não evitaremos que ao menos nos aflore ao rosto um breve sorriso de comiseração, já que o caso não é propriamente para rirmos às gargalhadas.
E com tudo isto nos distraímos e se distraem os governantes dos reais problemas do País: por exemplo, em conferência recente, realizada em Santarém e patrocinada pelo senhor Presidente da República, o investigador e professor Carlos Farinha Rodrigues denunciou que os nossos pobres estão cada vez mais pobres e que a distância que os separa dos ricos aumentou nos últimos anos. Querem mais? O Eurostat, em números relativos a 2005, constata que Portugal tem o índice de desigualdade mais elevado de toda a Europa. São estes os reais problemas com que nos deveríamos preocupar.
 
|

Artigos Recentes
Arquivos
Links


Powered by Blogger

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com