O Pacense
domingo, janeiro 29, 2006
  Para que servem os professores?

Para que servem os professores? - perguntou no Prós e Contras, com trejeitos de animadora mediática, para gáudio e aplauso da plateia acéfala, Clara Pinto Correia, professora e investigadora(?), colunista e colunável que se tornou há bem pouco tempo notícia escandalosa em jornais e revistas por ter plagiado uns artigos científicos. Se foram esses os métodos ensinados pelos seus professores ou se os ensina aos seus alunos, não me espanta que questione a sua utilidade como professora, pois lhe bastará mandar os estudantes à Internet para fazer copy & paste de um qualquer artigo! Mas a memória é curta... e este país parece sofrer de amnésia crónica.
E eu, professora do ensino secundário, por vocação e escolha, me confesso: ao fim de 35 anos de dedicação exclusiva ao ensino, senti-me esventrada até ao âmago da alma pela agudeza da pergunta e tentei encontrar uma (possível) resposta que gostaria de partilhar com o mundo. Para que servem, então, os professores?
Servimos como bombo da festa e consolo nacional para a ignorância, mediocridade e incompetência que grassa transversal e perpendicularmente em todas as profissões (sem excepção) deste país; presumo, a julgar pela atitude da plateia, que não tivemos, nem temos, qualquer crédito na formação dos bons, dos competentes e dos cultos. Se os portugueses estão na cauda da Europa, não é por falta de habilitações, nem por trabalharem mal, mas por terem tido maus professores!
Servimos de desculpa e bode expiatório para a impossibilidade, incapacidade ou desinteresse dos pais (quantos destes naquela plateia?), encarregados de educação e outros familiares em ensinarem aos filhos, nos primeiros anos da infância, os princípios morais e cívicos, tão necessários à formação do indivíduo. Como poderá a escola impor hábitos de higiene, de delicadeza, de disciplina e outros igualmente básicos a alunos adolescentes, quando os não tiveram na infância? Servimos, assim, para assediar os pais com chamadas à escola, incomodando-os com ninharias como as faltas injustificadas, mau comportamento ou o desinteresse dos filhos.
Servimos também para arcarmos com as culpas e responsabilidades do falhanço continuado de reformas impostas por sucessivos ministérios, feitas muitas vezes "sobre o joelho" e por gente que desconhece a realidade escolar e aposta no facilitismo para mascarar o insucesso. Servimos de trampolim para muitos "chicos-espertos" fazerem carreira à custa do nosso trabalho e da nossa dedicação, apesar das condições miseráveis das nossas escolas. Servimos para muita coisa, pelos vistos, menos para ensinar as matérias das nossas disciplinas, porque passamos o tempo a tentar que os adolescentes se comportem com civismo, sentados (sim, C. P. Correia, um acto tão simples como ficarem sentados 45 minutos) a uma mesa, a trabalhar numa aula de Português ou de Matemática, sem gritos, sem conversa, sem música de telemóveis, para só falar nos males menores.
Servimos de pau para toda a obra, nas nossas escolas, mas servimos, acima de tudo, para amar os nossos alunos, para os compensar das muitas carências afectivas, mesmo quando nos rejeitam, para tentar ensinar-lhes, embora remando contra a maré de bruteza desta sociedade que os tritura, que há valores que são eternos, como os diamantes e, como eles, preciosos.

(publicado na secção "Cartas ao Director" do jornal Público, de 27 Jan. 2006, da autoria da minha colega de profissão e desencanto Deana Barroqueiro, escritora e professora do E. Secundário, presumo que em Lisboa, e cujas palavras eu inteiramente subscrevo e por tal transcrevo, com a devida vénia.) 
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domingo, janeiro 22, 2006
  Metapresidenciais

Escrevo hoje, 22 de Janeiro, dia de eleições presidenciais. Para além da espuma da campanha, para além dos já habituais lugares comuns que os candidatos, esforçadamente, debitam País fora para plateias de convertidos, para além da renovada esperança de uma fracção cada vez menor dos eleitores em melhores dias, o que me fica como marca mais saliente, mais ou menos consequente, o futuro no-lo dirá, é, melhor será porque à hora a que escrevo ainda não sei os resultados definitivos, a surpreendente votação em Manuel Alegre, quer ele fique em segundo ou terceiro lugares.
Surpreendente porque, qual D. Quixote, sem o apoio de uma máquina partidária, até mesmo contra essa nebulosa de interesses e dependências feudais que comummente se designa por aparelho, no caso aquele do Partido de onde emana, se atirou à liça, granjeou adesões e conquista um significativo número de votos, suficientemente amplo para nos fazer meditar.
Desde logo a candidatura de Manuel Alegre não foi um epifenómeno ditado por razões de ordem pessoal de alguém que procura palco e notoriedade política; Manuel Alegre não o necessita por razões de todos sobejamente conhecidas e que seria ocioso enunciar.
Esta também não é uma candidatura cómoda; Alegre arrostou com a malquerença de muitos que foram seus companheiros de lutas políticas de muitos e largos anos, particularmente Mário Soares. Esta sua candidatura abriu feridas que tarde ou nunca sararão.
Se alguma razão mais forte ditou então esta candidatura foi a sua vontade de afrontar o poder, asfixiante, que os ditos aparelhos partidários vêm assumindo na vida política nacional, pouco espaço deixando livre para a livre participação cívica dos cidadãos. E é em volta desta candidatura que se formou um grande movimento cívico, gerado contra a lógica aparelhística, contra essa imagem, que infelizmente também é uma prática, nefasta para uma sã vida democrática, dos partidos como organizações tentaculares que tudo controlam e tudo decidem, desde quem é o candidato autárquico até ao emprego do filho do compadre do militante que é sobrinho do presidente da estrutura partidária concelhia.
Alguns sinais já haviam sido dados aquando da realização das últimas eleições autárquicas, com algumas listas de independentes intrometendo-se nas pugnas inter-partidárias e conquistando algumas autarquias. Em minha opinião esta é uma tendência que se irá acentuar no futuro. Compreenderão os partidos políticos estes sinais, serão eles capazes de mudar o suficiente para não defraudar mais as expectativas, tantas vezes goradas, dos eleitores?
O país precisa de subir um patamar em termos de exigência, rigor e seriedade, penhor de um desenvolvimento económico que tarda. Cabe aos partidos políticos serem agentes e protagonistas dessa mudança. Aos partidos e aos cidadãos, organizados ou não em estruturas partidárias. Afinal, e felizmente, a participação política e cívica dos cidadãos não se esgota na actividade partidária. 
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sexta-feira, janeiro 13, 2006
  Votamos para quê, quando votamos?

Um partido político é, qualquer dicionário no-lo dirá, uma associação de cidadãos organizada em torno de um determinado projecto de sociedade, nas suas vertentes política, social, económica e cultural, e que visa a conquista do poder para a implementação desse mesmo projecto. Seria de esperar, como tal, que transcorridas três décadas de regime democrático os partidos, que se têm revezado no poder, tivessem deixado mais profundas marcas na sociedade. Se éramos, e continuamos a ser, uma sociedade marcada por profundas assimetrias sociais, económicas e culturais, a menos igualitária das que compõem a União Europeia, teremos forçosamente que nos questionar sobre os reais propósitos e eficácia das políticas entretanto desenvolvidas pelos poderes que nos têm governado, tanto mais que essas forças políticas, referimo-nos obviamente ao P.S. e ao P.P.D.-P.S.D., se invocam ambas da social-democracia e ambas dizem visar não somente a democracia política mas igualmente uma crescente e maior democracia económica, sem a qual aquela será sempre e necessariamente anquilosada, incompleta.
Mas a que assistimos nós após cada acto eleitoral? A um esforço concertado de mudança do statu quo? Vislumbramos nós sinais de mudança? Não, o que vemos é uma corrida desenfreada, uma desapiedada e torpe competição partidária pelos despojos do poder, a distribuição dos jobs for the boys, frase que, estou certo, Guterres já terá bastas vezes lamentado ter pronunciado, de tal modo ela glosa lapidarmente as práticas políticas do seu e dos outros partidos.
E as histórias que recentemente têm vindo a lume, a somar a outras passadas, sobre a promiscuidade entre o poder político e os grandes interesses financeiros e empresariais, mais intranquilos nos deixam. Confesso que os episódios narrados pelos media resultam, para mim, simples e vulgar cidadão , de difícil compreensão: ele são a banca e o mundo empresarial mais os conselhos de administração e o poder dos accionistas, os interesses nacionais e os interesses estrangeiros, a compra e venda de acções, a clareza e a opacidade das regras do mercado, a perda de influência estatal em sectores económicos ditos estratégicos, o diabo a quatro. De tudo isto o que resulta? Que ministros, enquanto tal, e legitimamente, porque pretensos defensores dos interesses da República, mantêm relações negociais com o mundo do grande dinheiro e depois que cessam funções governativas nos aparecem como homens de mão daqueles com quem negociaram. Se não há aqui ilegalidade há pelo menos imoralidade. À trindade tantas vezes denunciada composta pelo poder municipal, futebol e construção civil acrescenta-se a relação dual esfera governativa / mundo empresarial.
Votamos para quê, quando votamos? Para que uma revoada de clientes ocupe altos cargos na administração e nos conselhos de administração de empresas públicas e, pelos vistos, também de empresas privadas?
O país há anos que deixou de convergir com a média comunitária, atrasámo-nos até, não obstante os auxílios económicos de que beneficiamos. Índices de desenvolvimento humano tendem a persistir a níveis que deveriam despertar um rebate de indignação cívica, civilidade essa de que também denunciamos um lamentável défice. E senhores governantes, os cidadãos, quando votam, não votam exactamente para os fins que, infelizmente, parecem ser aqueles que são os do vosso entendimento. 
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