domingo, maio 13, 2007
  O Fiel Amigo

Muito se tem dito e escrito, nos últimos dias, acerca do abate de 16 cães, segundo li, pelos serviços municipais de veterinária. Contudo a polémica parece-me estar descentrada, pois que se discutem os efeitos em detrimento das causas.
O abate de cães, seja em que circunstâncias for, não vai sem alguns engulhos de consciência. Ele é o fiel amigo, sobre ele se contam inúmeras histórias de abnegação, sacrifício e lealdade, desde tempos imemoriais que connosco vive, desempenhando as mais variadas e úteis tarefas. Mas isso não basta para o tornar sujeito de direitos, nomeadamente o mais importante de todos, o direito à vida. Por isso a lei prevê o seu abate em circunstâncias determinadas e presumo que, no caso vertente, o tenha sido dentro do estipulado na lei. Todos os dias se abatem no País milhares de animais destinados à nossa alimentação e, por denúncia já bastas vezes feita nos media, nem sempre o seu transporte e abate se processa nas devidas condições, provocando nos animais sofrimentos moral e legalmente condenáveis. E no entanto nunca tais factos têm na opinião pública as repercussões que o abate do fiel amigo sempre provoca. E contudo deveriam tê-las.
Por muito que nos doa é inviável ao canil municipal, bem como ao canil sustentado pelo Cantinho dos Animais, acolher todos os cães que se lhes deparem abandonados, por óbvias razões de espaço e finidade de recursos. Alguns acabam adoptados mas a maioria jamais o será. Que fazer então? Esperar que morram de velhice? Seria essa a solução mais conforme com os nossos sentimentos mas, sabemo-lo todos, tal solução é inviável.
Assim não foi esta a primeira vez que cães foram abatidos, ou eutanasiados, usando uma expressão mais conforme aos usos politicamente correctos, tão em voga, nem, infelizmente, será a última vez que tal prática será cometida pelos serviços municipalizados. O próprio Cantinho dos Animais já o terá feito, decerto que como último recurso.
E era aqui que todo este debate deveria ser centrado: nos motivos que levam a que cães tenham periodicamente que ser abatidos. E o motivo é apenas um: o abandono dos animais por energúmenos que os adoptam e depois, as mais das vezes por motivos fúteis, os abandonam. Aqui onde vivo, já o disse em blog anterior, as épocas críticas para o aparecimento de cães abandonados são a época venatória e a época de veraneio. Leva-se o cão à caça; não provou, amedrontou-se com os tiros? Abandona-se. A família parte de férias; não há com quem deixar o animal, é um empecilho que não entra em praia nem em restaurante. Que fazer? Abandona-se. Afinal o cão não é propriamente um bibelot que se põe na estante e de vez em quando se limpa do pó com um espanador: o cão defeca, urina, suja-se, adoece e o capricho inicial começa a revelar-se muito trabalhoso. Afinal o cão é um trambolho que só causa problemas. Que fazer? Abandona-se.
E é a esta lastimável prática que urge pôr cobro. Como? Instituindo a obrigatoriedade de registo do animal e identificando-o através da inserção de um chip. Assim se saberá a quem pertence e assim se poderá penalizar quem abandona ou é negligente na forma como trata o seu cão. O que não é nenhuma novidade pois em muitos países já é feito.
Só é sujeito de direitos quem é sujeito de deveres e se o cão o não é somo-lo nós, sujeito de deveres que implicam, entre tantos, o de não usarmos de crueldade para com os animais. 
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