quarta-feira, janeiro 02, 2008
  Abaixo a Nicotina

Entrámos em 2008 e entrámos definitivamente na modernidade. Ao proibirmos o tabaco em todo e qualquer espaço público, com apertadas excepções, é verdade, equiparámo-nos por fim a todos aqueles aqueles povos que decisivamente caminham para o futuro abrindo caminho, quais pioneiros, a todos os outros, a maioria, que ainda vegetam nas trevas dos costumes passados, como nós o éramos ainda há tão pouco tempo.
É verdade que alguns pobres desgraçados andam pelas ruas a contestar as políticas de saúde, que os caminhos que a educação anda a trilhar não auguram nada de bom, que a sinistralidade rodoviária nos é pouco abonatória, que a economia patina e não descola, mas não sejamos maximalistas: cada coisa a seu tempo. Há bem pouco tempo os jornais noticiavam que haveremos de crescer 0.1% acima da média do crescimento médio dos nossos parceiros mais desenvolvidos. Como estamos a cerca de 30% dessa média, por este andar haveremos de lá estar daqui a 300 anos. Mas não desesperemos, isto vai decerto melhorar.
Há quem diga que estas medidas de higiene social têm laivos fascistóides, que são uma intromissão abusiva na minha esfera privada. Nada de mais aleivoso. A mim desvanece-me esta tão profunda preocupação dos nossos governantes com a minha saúde e os meus vícios privados. É verdade que o primeiro País a demonstrar tais preocupações anti-tabágicas foi a Alemanha hitleriana. E a glorificar a beleza dos corpos musculados e bem nutridos, numa manifestação neo-pagã que a cineasta Leni Riefenstahl tão bem soube documentar. Mas é óbvio que isto não é mais do que mera coincidência histórica.
É provável que a seguir se modere o consumo de álcool, se anatematizem os gordos, quiçá nos imponham horas de frequência mínima dos ginásios. E depois? Tudo isto será demonstrativo das legítimas preocupações dos nossos governantes com a saúde pública.
Vejam como o nosso primeiro-ministro dá um claro exemplo ao mundo de vera preocupação com a saúde e bem estar dos cidadãos ao fazer o seu jogging matinal, onde quer que esteja e faça o tempo que fizer. Isso a mim enche-me de patriótico orgulho. Até George Bush já o cumprimentou pelo exemplo de vida saudável que tal prática transmite. Bem, as pernas do nosso primeiro-ministro não ajudam muito, concordo. São um tanto ou quanto escanzeladas, dotadas de pouca massa muscular, "perninhas de alicate", dizemos nós aqui na minha parvónia. Mas e isso desmerece-o? Antes pelo contrário. Eu, se tivesse tais pernas, faria jogging de calças, nunca de calções, mas reconheço a coragem e o altruísmo que tal exibição revela no nosso primeiro-ministro.
Dirigentes políticos houve, no passado, que não se coibiam de fumar em público e até transformavam esse seu nefando acto em marca distintiva, pessoal. Churchill fazia-o e a sua imagem é hoje inseparável de um gordo e comprido charuto que sempre o acompanhava. Também a imagem de Clinton se associa ao charuto, que gostava de fumar o seu havano, contrabandeado decerto, mas o charuto de Clinton tornou-se famoso não por ser fumado mas por ser utilizado em práticas menos próprias. Até Mário Soares aparecia de quando em vez, publicamente, fumando o seu puro. Mas Mário Soares era claramente um diletante do charuto, um fumador de fim-de-semana, sempre lhe faltou a harmonia e a elegância de gestos, a naturalidade enfim, de um verdadeiro fumador.
É provável que estes homens se arrependam hoje de ter praticado em público tão condenável acto. E Churchill, se ainda fosse vivo, tentaria decerto lavar a sua imagem mandando, quem sabe, retocar as infindáveis fotografias em que surgia envolto no fumo do seu inseparável charuto.
Confesso, amargurado, que sou fumador e que neste começo de ano me fenece a vontade de deixar de sê-lo. Sou um fraco. Mesmo agora, que estou a terminar esta croniqueta, me apetece fumar um cigarro. Mas no entanto gritarei a plenos pulmões, fazendo coro com os nossos governantes, a bem da saúde pública, "Abaixo a Nicotina". 
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