domingo, dezembro 09, 2007
  Vêm aí os Chineses

Recordo-me vagamente, dentre as já longínquas e esmaecidas memórias de infância, de ver um a vender gravatas numa feira. E tão misteriosamente como tinham aparecido assim esses pitorescos vendedores de gravatas desapareceram. Mais tarde, já nos anos oitenta do século passado, via-os frequentes vezes, ali para as bandas das Portas de Mértola, em plena rua, fazendo a sua veniaga, pano de seda no chão, mostruário do pechisbeque que humildemente ofereciam ao transeunte. Depois surgiu uma loja, depois outra e outra e outra, e as lojas dos chineses inundaram a cidade, inundaram o país, amedrontaram os comerciantes locais, tornaram-se assunto de debate público, motivo para agenda de reunião camarária.
Nada me lembra mais a fábula da cigarra e da formiga do que a actividade incessante, discreta, destes chineses. É Domingo, é feriado, que importa? A loja lá continua aberta para desespero dos nossos comerciantes e conforto de algum cliente retardatário. Mas, ele há sempre um mas, aquilo que vendem é de fraca qualidade, muitas vezes o artigo é de contrafacção, imitação barata e fraudulenta e aqui já estamos no campo da concorrência desleal.
Desde que os dirigentes chineses proclamaram que é glorioso enriquecer a China como que acordou da sua já secular letargia e prosperou a olhos vistos, tornou-se a fábrica do mundo. A mão-de-obra conta-se por centenas de milhões, o seu preço é o da uva mijona, para deleite dos nossos capitalistas, enriquecimento do nosso léxico, quem conhecia o vocábulo deslocalização? e empobrecimento das economias menos preparadas para esta globalização alinhada por baixo, muito por baixo, no que respeita a direitos laborais e sociais.
Nós marcamos passo há já penosos sete anos. A passagem de uma economia de mão-de-obra barata e intensiva para uma economia de maior valor acrescentado e maior incorporação tecnológica, num processo ainda não terminado, custou-nos, custa-nos, recessão económica, desemprego, perda de direitos laborais, divergência com a média de desenvolvimento económico dos nossos parceiros europeus e um sentimento geral de desânimo e tristeza. Podiam os governantes ter feito mais e melhor? Decerto que sim, outros, mais previdentes, a seu tempo o fizeram, v. g. a vizinha Espanha.
Mas a preocupação não há-de ser apenas nossa: recentemente os jornais davam-se eco de que sendo a Europa o maior parceiro comercial da China, a balança comercial era-lhe tão desfavorável que as suas vendas à China eram inferiores às feitas à Suiça. E face à crescente presença chinesa em África, lembrou-se agora na recente cimeira em Lisboa aos dirigentes africanos que o maior parceiro económico de África foi e é a Europa.
A China parece ter reunido o pior de dois mundos, o mundo dito socialista e o mundo capitalista: a uma total ausência de liberdade e de direitos laborais, supridos estes pela atenta vigilância de um Estado omnipotente e que se diz representante do proletariado, juntou-se uma insensibilidade social e ambiental própria do capitalismo europeu do século XIX. Milhões labutam nos campos, em condições tão precárias que as precárias condições de trabalho que encontram nas cidades lhes são tão aliciantes que estamos a assistir ao maior êxodo rural jamais visto na história da humanidade.
Mas até quando suportarão estes milhões tais condições de trabalho, até quando a imagem futurista e luxuosa de cidades como Xangai se compatibilizará com a miséria que se esconde por detrás dessa fachada e com a miséria campesina? Que colossais convulsões sociais e políticas nos reservará no futuro essa tão misteriosa e surpreendente China? 
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