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O Pacense
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Abaixo a Nicotina
Entrámos em 2008 e entrámos definitivamente na modernidade. Ao proibirmos o tabaco em todo e qualquer espaço público, com apertadas excepções, é verdade, equiparámo-nos por fim a todos aqueles aqueles povos que decisivamente caminham para o futuro abrindo caminho, quais pioneiros, a todos os outros, a maioria, que ainda vegetam nas trevas dos costumes passados, como nós o éramos ainda há tão pouco tempo.
É verdade que alguns pobres desgraçados andam pelas ruas a contestar as políticas de saúde, que os caminhos que a educação anda a trilhar não auguram nada de bom, que a sinistralidade rodoviária nos é pouco abonatória, que a economia patina e não descola, mas não sejamos maximalistas: cada coisa a seu tempo. Há bem pouco tempo os jornais noticiavam que haveremos de crescer 0.1% acima da média do crescimento médio dos nossos parceiros mais desenvolvidos. Como estamos a cerca de 30% dessa média, por este andar haveremos de lá estar daqui a 300 anos. Mas não desesperemos, isto vai decerto melhorar.
Há quem diga que estas medidas de higiene social têm laivos fascistóides, que são uma intromissão abusiva na minha esfera privada. Nada de mais aleivoso. A mim desvanece-me esta tão profunda preocupação dos nossos governantes com a minha saúde e os meus vícios privados. É verdade que o primeiro País a demonstrar tais preocupações anti-tabágicas foi a Alemanha hitleriana. E a glorificar a beleza dos corpos musculados e bem nutridos, numa manifestação neo-pagã que a cineasta Leni Riefenstahl tão bem soube documentar. Mas é óbvio que isto não é mais do que mera coincidência histórica.
É provável que a seguir se modere o consumo de álcool, se anatematizem os gordos, quiçá nos imponham horas de frequência mínima dos ginásios. E depois? Tudo isto será demonstrativo das legítimas preocupações dos nossos governantes com a saúde pública.
Vejam como o nosso primeiro-ministro dá um claro exemplo ao mundo de vera preocupação com a saúde e bem estar dos cidadãos ao fazer o seu
jogging matinal, onde quer que esteja e faça o tempo que fizer. Isso a mim enche-me de patriótico orgulho. Até George Bush já o cumprimentou pelo exemplo de vida saudável que tal prática transmite. Bem, as pernas do nosso primeiro-ministro não ajudam muito, concordo. São um tanto ou quanto escanzeladas, dotadas de pouca massa muscular, "perninhas de alicate", dizemos nós aqui na minha parvónia. Mas e isso desmerece-o? Antes pelo contrário. Eu, se tivesse tais pernas, faria
jogging de calças, nunca de calções, mas reconheço a coragem e o altruísmo que tal exibição revela no nosso primeiro-ministro.
Dirigentes políticos houve, no passado, que não se coibiam de fumar em público e até transformavam esse seu nefando acto em marca distintiva, pessoal. Churchill fazia-o e a sua imagem é hoje inseparável de um gordo e comprido charuto que sempre o acompanhava. Também a imagem de Clinton se associa ao charuto, que gostava de fumar o seu havano, contrabandeado decerto, mas o charuto de Clinton tornou-se famoso não por ser fumado mas por ser utilizado em práticas menos próprias. Até Mário Soares aparecia de quando em vez, publicamente, fumando o seu puro. Mas Mário Soares era claramente um diletante do charuto, um fumador de fim-de-semana, sempre lhe faltou a harmonia e a elegância de gestos, a naturalidade enfim, de um verdadeiro fumador.
É provável que estes homens se arrependam hoje de ter praticado em público tão condenável acto. E Churchill, se ainda fosse vivo, tentaria decerto lavar a sua imagem mandando, quem sabe, retocar as infindáveis fotografias em que surgia envolto no fumo do seu inseparável charuto.
Confesso, amargurado, que sou fumador e que neste começo de ano me fenece a vontade de deixar de sê-lo. Sou um fraco. Mesmo agora, que estou a terminar esta croniqueta, me apetece fumar um cigarro. Mas no entanto gritarei a plenos pulmões, fazendo coro com os nossos governantes, a bem da saúde pública, "Abaixo a Nicotina".
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Vêm aí os Chineses
Recordo-me vagamente, dentre as já longínquas e esmaecidas memórias de infância, de ver um a vender gravatas numa feira. E tão misteriosamente como tinham aparecido assim esses pitorescos vendedores de gravatas desapareceram. Mais tarde, já nos anos oitenta do século passado, via-os frequentes vezes, ali para as bandas das Portas de Mértola, em plena rua, fazendo a sua veniaga, pano de seda no chão, mostruário do pechisbeque que humildemente ofereciam ao transeunte. Depois surgiu uma loja, depois outra e outra e outra, e as lojas dos chineses inundaram a cidade, inundaram o país, amedrontaram os comerciantes locais, tornaram-se assunto de debate público, motivo para agenda de reunião camarária.
Nada me lembra mais a fábula da cigarra e da formiga do que a actividade incessante, discreta, destes chineses. É Domingo, é feriado, que importa? A loja lá continua aberta para desespero dos nossos comerciantes e conforto de algum cliente retardatário. Mas, ele há sempre um mas, aquilo que vendem é de fraca qualidade, muitas vezes o artigo é de contrafacção, imitação barata e fraudulenta e aqui já estamos no campo da concorrência desleal.
Desde que os dirigentes chineses proclamaram que é glorioso enriquecer a China como que acordou da sua já secular letargia e prosperou a olhos vistos, tornou-se a fábrica do mundo. A mão-de-obra conta-se por centenas de milhões, o seu preço é o da uva mijona, para deleite dos nossos capitalistas, enriquecimento do nosso léxico, quem conhecia o vocábulo deslocalização? e empobrecimento das economias menos preparadas para esta globalização alinhada por baixo, muito por baixo, no que respeita a direitos laborais e sociais.
Nós marcamos passo há já penosos sete anos. A passagem de uma economia de mão-de-obra barata e intensiva para uma economia de maior valor acrescentado e maior incorporação tecnológica, num processo ainda não terminado, custou-nos, custa-nos, recessão económica, desemprego, perda de direitos laborais, divergência com a média de desenvolvimento económico dos nossos parceiros europeus e um sentimento geral de desânimo e tristeza. Podiam os governantes ter feito mais e melhor? Decerto que sim, outros, mais previdentes, a seu tempo o fizeram, v. g. a vizinha Espanha.
Mas a preocupação não há-de ser apenas nossa: recentemente os jornais davam-se eco de que sendo a Europa o maior parceiro comercial da China, a balança comercial era-lhe tão desfavorável que as suas vendas à China eram inferiores às feitas à Suiça. E face à crescente presença chinesa em África, lembrou-se agora na recente cimeira em Lisboa aos dirigentes africanos que o maior parceiro económico de África foi e é a Europa.
A China parece ter reunido o pior de dois mundos, o mundo dito socialista e o mundo capitalista: a uma total ausência de liberdade e de direitos laborais, supridos estes pela atenta vigilância de um Estado omnipotente e que se diz representante do proletariado, juntou-se uma insensibilidade social e ambiental própria do capitalismo europeu do século XIX. Milhões labutam nos campos, em condições tão precárias que as precárias condições de trabalho que encontram nas cidades lhes são tão aliciantes que estamos a assistir ao maior êxodo rural jamais visto na história da humanidade.
Mas até quando suportarão estes milhões tais condições de trabalho, até quando a imagem futurista e luxuosa de cidades como Xangai se compatibilizará com a miséria que se esconde por detrás dessa fachada e com a miséria campesina? Que colossais convulsões sociais e políticas nos reservará no futuro essa tão misteriosa e surpreendente China?
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Não poderíamos ficar só com o fundo sonoro?
Escrever sobre futebol foi algo que nunca me cativou: não sou leitor de jornais desportivos, limito-me a ler as maiores na banca, serei dos portugueses menos informados sobre o desporto dito rei e para além disso, o que será o mais importante, já há algum tempo concluí que até nem gosto muito de futebol, sou apenas e só um pacífico adepto do Benfica. Porquê? Porque na minha meninice o Benfica foi Campeão Europeu, conquistou então um lugar proeminente no futebol europeu e mundial, lugar que a custo só hoje mantém, parecendo-se cada vez com um velho fidalgo arruinado que vive das glórias do passado. Mas porque sou do Benfica vejo todos os jogos televisionados em que a equipa participe. E é tudo, não vejo mais jogos nenhuns, para mim é pura perda de tempo, ver um outro jogo é para mim um longo bocejo. E se assim é só posso concluir que gosto do Benfica mas de futebol nem por isso.
Vem tudo isto a propósito do jogo de ontem, o Académica-Benfica, e dos apartes que os senhores comentadores vão debitando ao longo do jogo. Porque é meu entendimento que esses comentários primam, a maior parte das vezes, por uma repreensível parcialidade em favor das equipas adversárias do Benfica. Exagero? Penso que não. E se exagero deixá-lo, também tenho direito às minhas paixões, e as paixões são sempre parciais. Mas afirmo e mantenho que os comentários sobre o Benfica são parciais e até, por vezes, jocosos. E ontem a coisa começou logo mal. Tinham decorrido cerca de três minutos de jogo e já um dos comentadores encartados de serviço dizia que a Académica estava a tomar conta do jogo. Como é possível concluir-se e dizer-se tal com três minutos de jogo decorridos?
Mas os apartes continuam-se e são constantes: as opções do treinador são sempre incorrectas, os jogadores jogam sempre nos lugares que não lhes são os mais próprios e se golos surgem por parte do Benfica são sempre fruto do demérito do adversário, nunca mérito do Benfica. E depois há sempre aquelas doutas afirmações sobre os esquemas de jogo: ele é o 4-3-3, o 4-3-2-1,o 4 já não sei que mais, as substituições que se fazem ou se deviam fazer e que, regra geral, são feitas a desoras e sempre mal feitas, o diabo a quatro. E a volubilidade dos comentários, como são mutáveis em função dos resultados: passam os comentadores da adjectivação de bestial a besta tão facilmente como trocam de camisa.
Que fazer? Retirar o som à televisão? Já o fiz mas o resultado é uma tristeza, futebol é emoção, paixão, e sem esse fundo sonoro que, embora atenuado, nos chega da multidão no estádio, lá se vai grande parte do calor, da emoção.
Que fazer? Pois que sejam os senhores comentadores mais parcos e mais objectivos nos seus comentários e que nos deixem ver, sem nos irritarem, os jogos, porque para irritação já bastam as peripécias desfavoráveis dos jogos.
A solução ideal seria, quanto a mim, que se recriasse tanto quanto possível, o ambiente do estádio: para isso teriam que chegar até nós, de forma perfeitamente audível, os incitamentos, os comentários, os cânticos, o bruá-bruá da multidão nos estádios. E sem comentários, esses faríamos nós. Mas a ser assim lá ficariam os senhores comentadores desempregados e com o que já para aí vai esta não seria decerto a melhor solução.
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A Cruzada continua
Historicamente sempre os governos de esquerda mantiveram relações mais próximas do movimento sindical do que das associações patronais, isto é, sempre valorizaram mais o trabalho do que o capital. O que é estranho é o contrário, e o contrário é o que vem acontecendo com o actual governo do Partido Socialista, que governa sob o aplauso geral do patronato e mantém com os sindicatos um clima de permanente conflitualidade.
A sanha com que trata os professores é outro paradoxo de difícil compreensão. Depois da habitual profissão de fé na educação, comum a todos os governantes, como penhor e garante do futuro da comunidade, como a mais nobre das profissões e actividade de maior retorno em termos de investimento e blá-blá-blá, é vê-lo, praticamente desde que entrou em funções, cercear direitos adquiridos ao longo de anos como se fossem benesses ilegítimas, privilégios indecorosos. Ao mesmo tempo que capricha em diminuir mais e mais a autoridade dos docentes, de que o caso do novo estatuto do aluno é apenas o último episódio, submerge-os em exigências burocráticas tais que a aula, o momento de aula, que deveria ser a sua primeira e principal preocupação, passa a tarefa que se executa no meio dos breves intervalos que a burocracia lhes permite.
A avaliação dos professores, de que já chegou diploma legal às escolas, é a última peça desta persecutória cruzada. A partir de agora passam a estar os professores sob permanente suspeita. E a complexidade da execução dessa avaliação é tal que o bom senso aconselharia que se concedesse às escolas um período de adaptação, até pelas várias regulamentações internas a que obriga. No entanto tal execução será feita no imediato, a sangue-frio. De feição empresarial, obriga o docente ao compromisso de atingir determinadas percentagens de sucesso dos seus alunos, cujo incumprimento repercutirá na sua avaliação final. Mais um óbvio passo no caminho do facilitismo.
A história mais recente da educação neste País não é uma história bonita, e como todas as histórias feias não creio que venha a acabar bem.
Sobre o
ranking das escolas, recentemente analisado e publicado nos órgãos de comunicação social, não resisto a transcrever as palavras avisadas de António Barreto, publicadas no jornal "Público", de 4 de Novembro: "O que verdadeiramente está em causa é a mediocridade do sistema. A sua inspiração doutrinária. As modas científicas que afectam a pedagogia. O desinteresse das autarquias. A abstenção dos pais. A instabilidade dos docentes. Os conteúdos dos programas. A vulgaridade dos manuais. A falta de autonomia das escolas. De quase todos estes males, sofrem tanto as escolas privadas como as públicas. Mesmo se as privadas conseguem, em certos destes factores, uma melhoria relativa. Seria bom que não nos deixássemos distrair."
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Em Defesa de Aquilino
Não passou sem alguma polémica a trasladação dos restos mortais de Aquilino Ribeiro para o Panteão Nacional. Desde o brado de vergonha nacional, traição aos valores pátrios e mau exemplo para os nossos jovens, até à acusação final de terrorista e regicida, nada faltou a desmerecer a memória do nosso maior prosador do século passado.
Regicida? Está por provar que Aquilino tenha participado no assassinato do rei D. Carlos e do príncipe herdeiro Luís Filipe. Sempre ele o desdisse e mesmo após a implantação da República, quando lhe teria sido fácil colher os louros de tal acto, decerto enaltecido e premiado pelo radicalismo jacobino da época, mesmo então ele o continuou a negar. Segundo o "Expresso", datado de hoje, cinco de Outubro, o escritor e jornalista Jorge Morais, autor do livro "Regicídio, A Contagem Decrescente", tanto mais insuspeito quanto é homem de ideais monárquicos e que foi conselheiro do gabinete do Duque de Bragança, em entrevista concedida ao mesmo semanário afirma, a propósito, que "Aquilino foi carbonário, panfletário, conspirador do Café Gelo, amigo pessoal de Costa e de Buiça. Mas não se conhece prova de que tenha estado nos locais do regicídio. Encontrava-se refugiado nas águas-furtadas de um prédio da rua Nova do Almada desde o dia 14 de Janeiro. E terá chegado a tentar convencer um dos regicidas, Alfredo Costa, de que o assassínio do rei seria contraproducente para a causa republicana...".
À falta de provas recorre-se ao anátema e à calúnia.
Terrorista que conspirou contra um Estado de Direito? Decerto que a monarquia então vigente, velha de sete séculos, era um estado de direito. Mas se Aquilino conspirou contra um estado de direito o que fizeram todos aqueles de quem ele foi
compagnon de route? O que foram então Afonso Costa, Bernardino Machado, Manuel de Arriaga, Teófilo Braga e tantos outros, que têm o seu nome em ruas e praças e vêm mencionados nos compêndios de História? Levado ao absurdo este raciocínio teremos que concluir pela ilegitimidade da República e teremos que remeter para o limbo das
personae non gratae da nossa História todos os obreiros do regime republicano. E no mesmo rol haveremos de meter aqueles que fizeram o 25 de Abril, pois que também eles conspiraram contra um estado de direito, representado pelo regime autoritário de então, do mesmo modo que estes também haviam por sua vez conspirado contra um estado de direito, representado pela 1ª República, e seguindo esta senda haveremos de condenar Afonso Henriques por se ter rebelado contra a mãe e ter-se mais tarde proclamado rei, desrespeitando o acordo feudatário celebrado por seu pai com os reis de Leão e Castela.
Mas que importa tudo isto perante a grandeza e a glória do prosador? Não foi essa a razão que levou à sua trasladação para o Panteão Nacional? O que se poderá questinar é se o escritor será merecedor de tal honraria, a maior que a Nação poderá conceder a um dos seus filhos. E o escritor Aquilino Ribeiro merece-a decerto. Dizer eu que Aquilino foi o maior prosador português do século passado terá o valor tributável a um escrevinhador de blogs, a quem decerto não se reconherá sapiência para emitir tais juízos de valor, nem eu me arrogo tal autoridade. Mas encontro-me bem escudado. Assim o disse, aquando das cerimónias de trasladação, Urbano Tavares Rodrigues e José Saramago, quando lhe noticiaram ter sido o vencedor do Prémio Nobel, terá dito mais ou menos isto: "Sou um homem de sorte, se o Aquilino ainda fosse vivo seria ele a ganhá-lo".
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10 de Junho
Hoje é Dia das Comunidades Portuguesas. Já lhe chamámos Dia de Portugal e até Dia da Raça. Da raça convenhamos que não era bem achado. Que raça? A portuguesa? Estudos científicos dizem-nos que não há raças entre a espécie humana e se as houvesse nós não seríamos seguramente uma delas: esta nossa
finis terrae foi povoada por tantos e tão desvairados povos que acabámos por ser uma miscelâneas de todos quantos por cá aportaram e ficaram: a um primitivo substracto ibérico teremos que juntar fenícios, gregos cartagineses, celtas, romanos, suevos, visigodos, árabes, berberes e nos dias de hoje, com o advento das correntes imigratórias para o País, filhas da globalização, ainda lhe haveremos de juntar mais uns quantos. Por isso, raças portuguesas só a dos equídeos de Alter, que até nem nos deixam ficar mal, ou as dos vários canídeos, que até ganham prémios em confrontos internacionais: o nosso Rafeiro Alentejano, mas também o Serra de Aires, o Serra da Estrela, o Cão de Água, que até parece que foi marujo das nossas caravelas que deram novos mundos ao mundo, e algumas outras.
Era Dia da Raça pois, no tempo da outra senhora, que vivia num embevecimento laudatório e acrítico pelo passado, fruto de ideologias nacionalistas e anti-democráticas que fizeram vencimento na Europa até ao final da Segunda Grande Guerra e que entre nós se prolongaram até tarde, demasiado tarde, com a cumplicidade das democracias ocidentais, adeptas do mal menor e quanto ao povo pois que se lixasse, claro está.
Mas Dia de Portugal não vejo qual fosse o mal: nem seríamos originais, longe disso, pois tantos e tantos países comemoram o seu Dia. O mais conhecido será porventura o
quatorze Juillet francês, das marchas militares, dos discursos sobre a
grandeur gaulesa e dos bailes populares, mais conhecido pelas evocações históricas e porque a França era, até um passado recente, ainda capaz de impor essa mesma grandeza de nação fautora de ideologias e cultura.
Mas nós, portugueses, lidamos mal com o nosso passado: ao acriticismo do ante-25 de Abril sucedeu o hiper-criticismo do pós-25 de Abril, quando parecia que nada, absolutamente nada, do nosso passado seria de molde a nele nos revermos. E assim chegámos ao Dia das Comunidades. Do mal o menos: continuamo-nos a celebrar e, pois que temos uma tão grande diáspora, celebramos as comunidades que ao longo dos séculos espalhámos e continuamos a espalhar pelo mundo.
Mas estimaremos nós o nosso País? Não creio. Um País, onde os cidadãos arvoram em esperteza e motivo de orgulho toda a táctica de evasão ao fisco, não se estima verdadeiramente. Há aqui um notabilíssimo défice de educação cívica que manda que a todos incumbem responsabilidades pelo todo e que essa responsabilidade se traduz particularmente pelo pagamento das obrigações fiscais. E o grau de sinistralidade verificado nas nossas estradas, um dos mais elevados da União Europeia? Obviamente que o típico condutor lusitano bem que se está borrifando para a integridade física dos seus concidadãos e até, cúmulo da estupidez, para a sua. E este velho e arreigado hábito de lançar na via pública toda e qualquer porcaria? E o desordenamento urbano? E a forma como muitas vezes somos atendidos nos serviços públicos? E, e, e...
Não, nós verdadeiramente não gostamos do País porque não gostamos uns dos outros. É pena, mas que querem, é a vida.
P.S.: o jornal "Público" de hoje, dia 11, fala-nos do dia anterior como de "Portugal, de Camões e das Comunidades". Afinal também comemoramos o País, embora, envergonhadamente, de mistura com outras comemorações. Porque não haveremos de comemorar apenas e só, o que é muito, Portugal?
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O Deserto a Sul do Tejo
Alguns membros do actual governo parecem ter uma irresistível atracção para a asneira e como não há uma sem duas nem duas sem três, costumam elas vir em catadupa. Então não é que o senhor ministro Mário Lino, em argumentário pobre justificativo da opção Ota para o futuro aeroporto internacional de Lisboa, nos vem dizer que a construção do mesmo
jamais, em francês, será na margem sul do Tejo, pois ali não há mais do que um deserto, sem escolas, hospitais, rodovias e ferrovias, sem hotéis?
Sabia eu que vivia em terra sempre tratada como parente pobre e deserdado pelos sucessivos governos que têm ocupado o Terreiro do Paço, mas chamar deserto a metade do País? Digo bem, metade do País, pois se o senhor ministro considera desérticos territórios que distam escassas dezenas de quilómetros de Lisboa, então onde viverei eu, que habito a quase duzentos quilómetros a sul da preclara e civilizadíssima capital?
Mas se a região é um deserto que têm feito ou o que fazem os senhores governantes para que assim não seja? Mandam as boas regras da administração política cuidar da coesão e boa harmonia territorial pelo que os investimentos, aqueles capazes de gerar desenvolvimento, como será o caso vertente,deverão privilegiar as regiões mais desfavorecidas. Parece não ser esse o juízo do senhor ministro.
E depois o senhor ministro revela-se ainda ignorante da geografia nacional, ao referir-se a esses territórios da margem sul do Tejo como pertencentes ao norte alentejano. Ora acontece que não são tal, pois já integram a província da Estremadura. E acresce ainda que o argumentário utilizado, na forma e no conteúdo, não revela a necessária elevação, aquela que é própria da dignidade da função ministerial.
Não sei qual a localização ideal para o futuro aeroporto. Não tenho nem informação nem formação suficientes para opinar sobre o assunto. Mas sei que tal projecto, pela sua dimensão, custos, impacto ambiental e características estruturantes para o futuro desenvolvimento económico nacional, terá que ser muito bem ponderado. Suponho que uma decisão final sobre onde deverá ser construído o futuro aeroporto, mais do que uma decisão política, será sempre uma decisão de carácter técnico, apoiada em estudos e pareceres sólidos feitos por entidades credenciadas e sérias. Deveria ser assim, mas quando o senhor Presidente da República vem dizer que é necessário, sobre esta matéria, um debate "sério" em sede parlamentar, parece que tal ainda estará por fazer.
Por vezes tenho a incómoda impressão de viver num país com estranhas idiossincrasias.
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