domingo, agosto 06, 2006
  O Fiel Amigo


Chega o Verão e eis que o bairro onde habito ganha novos habitantes: cães abandonados que aqui vêm parar, possivelmente porque o bairro é excêntrico e tranquilo, possivelmente porque confina com o campo, possivelmente porque aqui sempre há umas almas caridosas que os vão alimentado e dessedentando, possivelmente por tudo isto.
Ele há duas épocas críticas para que os cães por aqui apareçam e que são o início do período de férias e o período de abertura da caça. Levar o cão de férias é um grande transtorno e uma grande trabalheira: o cão não pode ir à praia, o cão não é consentido em restaurantes, discotecas e estabelecimentos similares, o cão é um trambolho que só atrapalha. Levá-lo para um desses hotéis ditos de cães onde o recolham por alguns dias? Custa dinheiro. O melhor mesmo é largá-lo no meio da rua. Mas esse sentimento de abandono é sentido pelo cão de uma forma profunda, não direi que o sinta como um dos nossos filhos o sentiria se assim fosse abandonado, mas um cão não é de todo destituído de sentimentos. E o cão assim abandonado pode ocasionar um acidente, pode atacar um pacato transeunte, quiçá uma criança, o cão vai inevitavelmente conspurcar as ruas com os seus dejectos, o cão pode tornar-se nocivo para a saúde pública. Que importa isso àquele que até ontem foi seu dono? Aparentemente nada. E depois se calhar o cão já está velho, até já consumiu alguns euros no veterinário, por isso a melhor solução é mesmo abandoná-lo.
Quanto ao período de caça essa é outra história: o cão é testado mas não provou, fugiu aos primeiros tiros, é um merdoso que só servirá para comer e dormir. Destino? Um de dois: ou leva já ali um tiro em pleno campo ou então abandona-se à sua sorte.
Existe na cidade uma organização chamada "Cantinho dos Animais" que recolhe e cuida de muitos destes "fiéis amigos" abandonados, e procura quem os adopte. Mas, claro, luta com dificuldades económicas para alimentar e tratar a mais de uma centena de cães que tem a seu cargo, ainda que os seus membros trabalhem em regime de voluntariado e nada recebam em troca do seu ofício. E é assim que alguns, poucos, lá vão tentando remediar os males ocasionados por os muitos energúmenos que habitam este país e o fazem parecer muitas vezes um lugar muito mal frequentado.
Diz-se que uma das formas de aquilatar do grau de civilidade de uma população, de um país, é através da forma como trata os seus animais. Pois se já ficamos mal em tantos parâmetros de civilidade neste não ficamos melhor.
Perguntava eu esta manhã a um vizinho porque não são penalizados aqueles que assim procedem, pois a lei tipifica como condenável os maus tratos infligidos aos animais. Respondeu-me ele:
-E quem é que os vai penalizar?
E é assim. Instalou-se um sentimento de total impunidade e irresponsabilidade pois não há autoridade que nos valha na prevenção e penalização das práticas mais aberrantes e condenáveis.
A propósito, ouvi há poucos dias, na televisão, que não sei que instituição oficial iria iniciar mais uma campanha de sensibilização no tocante ao abandono dos animais. À falta de autoridade contrapõe-se assim mais uma piedosa campanha de sensibilização que inculque melhores práticas nas cabeças duras e irresponsáveis de muitos. Terá o efeito prático de muitas outras campanhas de sensibilização, coisa em que somos férteis, como aquelas que têm sido feitas, às dezenas, sobre segurança rodoviária sem que deixemos de ser os campeões europeus de sinistralidade rodoviária, muitos anos e muitas campanhas de sensibilização depois.
Assim não vamos lá!
 
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