domingo, julho 10, 2005
  Nome de Guerra

O título desta croniqueta é também nome de romance, romance desse génio multifacetado que foi Almada Negreiros. Que se me releve pois o empréstimo, já que plágio não é.
Segundo o Dicionário Houaiss nome de guerra será o "pseudónimo usado pelos maçons nas suas reuniões e, por extensão, pseudónimo ou apelido pelo qual alguém é mais conhecido na sociedade, no meio artístico etc."
Atenhamo-nos pois, e apenas, ao nome de guerra usado nas circunstâncias atinentes à vida política. Se esse é o nome por que alguém pretenda ser mais conhecido no meio, desde logo uma primeira e fulcral preocupação surge: a de que esse nome seja absolutamente original, para que não dê azo a confusões, bastas vezes, como se sabe, desagradáveis. Uma excepção se admite: a de que tenha existido homónimo ilustre mas, obviamente, já defunto. Excepção perfeitamente admissível e compreensível, já que permite tomar de empréstimo a notoriedade de alguém que não se encontra, por razões óbvias, em condições de contestar tal abuso.
De seguida outra preocupação surge: a de que esse nome tenha uma sonoridade tal que seja simultaneamente agradável e fácil de memorizar. Finalmente, que tal nome fuja da vulgaridade. Decerto ninguém imagina que um político com pretensões tenha como nome de guerra um ordinário José da Silva, muito menos José Silva, salvo o devido respeito a quantos foram crismados com tal nome e que decerto não serão poucos.
E assim o pretendente ao nome de guerra há-de, artificiosamente, combinar os seus nomes de baptismo até encontrar o ideal, que se há-de caracterizar por ser original, sonoro e invulgar.
Poderá o candidato a político ter um tal conjunto de apelidos plebeus que nenhuma combinação, por mais artificiosa, resultará. Que fazer? Pois utilizá-los e transformá-los em orgulhosa imagem, embora me pareça que tal candidato a político tenha mais êxito se optar por se situar à esquerda do espectro político. Poderia o nosso candidato usar um pseudónimo? Poderia, não fosse tal prática desusada e de todo desaconselhável em actividade tão circunspecta quanto a política, admissível sim entre os cómicos e quejandos, cujas vidas se caracterizam pela futilidade, aparência e dissimulação, qualidades estas que, como todos sabemos, não têm qualquer cabimento na vida política.
Senão vejamos. É à esquerda que nós encontramos os políticos com nomes mais banais: Mário Soares, Álvaro Cunhal, não são propriamente nomes altissonantes, nem Manuel Alegre, Carlos Brito, Jorge Sampaio ou Jerónimo de Sousa. Imaginam um político de direita chamado Jerónimo de Sousa? Nem eu.
Mas à direita sim, encontramos políticos com nomes mais pomposos: Marcelo Rebelo de Sousa, Francisco Sá Carneiro, Francisco Lucas Pires, Pedro Santana Lopes, Diogo Freitas do Amaral, embora este exemplo não seja o melhor porque já não se sabe muito bem onde situar o dito. E tem mais, muitos deles não utilizam dois nomes mas três. Claro que há excepções, como Marques Mendes, mas três nomes para Marques Mendes talvez fosse excessivo, não bateria a bota com a perdigota tendo em conta o arcaboiço do dito. Pronto, foi de mau gosto, mas que querem, saiu-me?
E porque será assim? Porque três nomes têm mais sainete, porque se trata de gente com pedigree, porque muitos deles têm tradições familiares em matéria de governação, pudera, pertencem às classes possidentes e por isso, geracionalmente , detentoras do poder e por isso transportam consigo esse nome de família que, em muitas circinstâncias, funciona como um abre-te sésamo. E por isso também que muitos se cuidam, por direito natural, mais capacitados para o exercício desse mesmo poder.
E se nem todos têm pedigree têm pelo menos pretensões de classe, são o que se chama arrivistas.
Até na política local esta asserção se confirma: diz-se José Raúl dos Santos e não José dos Santos, diz-se João Paulo Ramôa e não João Ramôa; em contrapartida diz-se Francisco Santos e Carlos Figueiredo.
Para acabar, que a prosa já vai longa: alguns há que conseguem a proeza de serem designados por um só nome. Mas este é feito ao alcance de poucos eleitos, somente daqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando, obras valorosas ou não, como é fácil constatar: ninguém diz Winston Churchill, mas apenas Churchill, como raramente se diz Adolfo Hitler mas apenas Hitler; e Estaline e Salazar e Franco e Roosevelt e Mitterrand e Kennedy e De Gaulle e Adenauer e Mandela e tantos outros. E também e somente Amália. 
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