sexta-feira, maio 27, 2005
  Um Caminho sem Retorno

O Partido Comunista, força política preponderante que foi no Alentejo ao longo de décadas, tem vindo a perder, de forma gradual e irreversível, influência e eleitores por notória incapacidade de compreensão e adaptação a novos tempos e a novas realidades, o que não deixa de ser irónico num Partido que faz da análise objectiva da realidade o instrumento orientador de toda a sua actividade política, conforme os mais estritos e ortodoxos princípios do materialismo dialéctico.
Na verdade a inércia que pauta a actuação do Partido Comunista Português transformaram-no na mais conservadora das forças políticas que compõem o leque partidário parlamentar. É isto salutar para a vida política nacional? Não é. Desde logo porque um sector ainda vasto do campesinato alentejano, em redução acelerada pela emergência de novos meios de produção dispensadores da utilização de mão-de-obra intensiva, e uma vasta franja da população mais envelhecida se revêem nele como seu interlocutor e porta-voz privilegiado. A consequência óbvia é que aqueles que não têm voz cada vez a terão menos, porque o conservadorismo do voto rural e a memória ainda mítica e quase religiosa das lutas e sacrifícios dos comunistas em tempos da Ditadura, tornam quase proibitiva a deslocação do voto para outras forças políticas, assumindo tal acto, a concretizar-se, foros de uma quase apostasia. Tais considerações não se aplicarão de todo ao mundo urbano, de fidelidades partidárias mais volúveis pela maior permeabilidade social. Mas a inexistência de grandes meios urbanos, as próprias cidades capitais de distrito ter-se-ão que catalogar como cidades de média dimensão, fizeram do voto rural o voto determinante ao longo de muitos anos.
Essa memória bloqueadora não existe nas gerações mais jovens e são os mais jovens, o 25 de Abril ocorreu há 31 anos, a maioria do eleitorado nos dias de hoje. E o discurso de contornos neo-realistas em que persistem os comunistas já não se compagina com a nova realidade, fruto de profundas e estruturantes mutações sócio-económicas e culturais.
Por isso que a perda de influência política dos comunistas não releva de uma qualquer mutação circunstancial do sentido de voto dos eleitores, mas tem tudo a ver com alterações estruturantes na tessitura económica e social, isto é, quem não vota comunista hoje não o fará amanhã, porque não se revê nessa força política, porque a forma e o conteúdo, a praxis e a teoria são passadistas, anacrónicas. Se a infra-estrutura determina a superestrutura então o Partido Comunista é hoje um instrumento de combate político desadequado.
As candidaturas à Câmara Municipal de Beja estão lançadas: Carlos Figueiredo, pelo Partido Socialista, Francisco Santos, pelo Partido Comunista e João Paulo Ramôa, pelo P.P.D.-P.S.D.
Atentemos na candidatura comunista: Francisco Santos é médico, natural do Concelho, de onde se ausentou há largos anos por razões de ordem profissional, o que não é motivo de reparo desmerecedor; o mesmo se poderá dizer do candidato socialista. Francisco Santos foi, e disso se recordarão aqueles cuja memória histórica remonta aos anos logo imediatamente posteriores ao 25 de Abril, um destacado e celebrado militante do Partido Comunista. O ser homem de origens modestas e as suas qualidades profissionais e humanas fadavam-no para personificar o militante comunista exemplar. E foi por isso agora o escolhido para candidato à Câmara Municipal de Beja: Francisco Santos transporta consigo a memória de tempos áureos de hegemonia optimista, isto é, o candidato transporta consigo as memórias do passado, não traz consigo qualquer projecto de futuro. E serão essas memórias do passado que pretenderão alentar e revivificar um projecto já obsoleto. Dir-se-á que é o melhor que se pode arranjar, sem desprimor para a pessoa.
O comportamento dos comunistas cada vez mais se parece com o dos habitantes de uma cidadela sitiada cuja queda se antevê como inevitável: afirmam esperançosos os sitiantes "É agora", perguntam-se ansiosos os sitiados "Será desta?". Dirão os comunistas, embalados até pelo carácter messiânico da sua doutrina, que toda a sua vida tem sido feita de resistência, por vezes em condições profundamente adversas. Ninguém o nega. Mas só um projecto consistente de futuro suporta qualquer acto de resistência, resistir de olhos postos no passado é protelar um irremediável fim.
Decididamente, o caminho descendente do Partido Comunista é um caminho sem retorno. 
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