terça-feira, novembro 01, 2005
  Algumas Divagações a Propósito do Terramoto de Lisboa de 1755

Passam hoje 250 anos sobre o terramoto que destruiu Lisboa. A propósito, várias iniciativas comemorativas do trágico acontecimento se anunciam. Pela manhã os sinos das igrejas de Lisboa dobraram durante longos minutos. Na estação televisiva oficial ouvi eu, à hora do almoço, a locutora de serviço dizer que na capital os sinos haviam repicado. Ora os sinos repicam em altura festivas, dobram quando o momento é de luto e tristeza e tocam a rebate quando anunciam perigo iminente ou convocam as populações por qualquer razão urgente. Ao que parece estas simples distinções semânticas não as sabem fazer os senhores jornalistas de serviço na estação televisiva oficial, quando trocam o repicar do sino, aqui de todo desadequado, pelo dobrar do mesmo, esse sim, o termo ajustado. Adiante.
Tão trágico acontecimento causou, à época, justa e natural comoção por toda a Europa e provocou mesmo acesas discussões sobre o sentido de tais catástrofes: se eram tributáveis a causas apenas naturais ou se resultavam de um qualquer desígnio divino. Se de origem natural como se poderia entender que Deus as permitisse? Se resultantes da sua vontade como entender que a misericórdia divina pudesse lançar sobre os homens tais calamidades? Decerto que para os castigar pela sua impiedade e actos pecaminosos.
Se para o poder temporal, personificado então pelo Marquês de Pombal, tudo se explicava por causas naturais, conforme estudo por este encomendado, o mesmo não acontecia quanto a muitos membros da Igreja, havendo mesmo pregadores inflamados que, no meio das ruínas, compeliam os aterrorizados sobreviventes à aceitação do trágico evento como castigo pelos seus muitos pecados e os incitavam ao arrependimento, opondo-se mesmo alguns deles à reconstrução da cidade porque contrária aos desígnios divinos. Tragicamente célebre ficou o Padre Gabriel Malagrida, jesuíta italiano autor do folheto Juízo da Verdadeira Causa do Terramoto que Padeceu a Corte de Lisboa no 1º de Novembro de 1755, no qual considerava o sismo como castigo de Deus. Acabou condenado e executado a mando do Marquês que, além de déspota e cruel, tinha um particular acinte contra os jesuítas.
A propósito do maremoto que assolou o sudeste asiático, em finais do ano passado, também os jornais se fizeram eco desta polémica, causa natural versus desígnio divino, obviamente mais em estilo de celebração do que com propósitos de relançamento do debate, que hoje teria um cariz anacrónico.
"A Deus o que é de Deus e a César o que é de César", eis a máxima tributável a Jesus quando perguntado pelos fariseus sobre se concordava ou não com o pagamento de tributos ao ocupante romano, já lá vão dois milénios. Mas a linha que separa o temporal do espiritual, o divino do secular, é frágil e, ontem como hoje, passível de atropelos por vezes os mais sinistros. Não é verdade que o terrorismo de raiz muçulmana se arroga a inspiração e protecção divinas como justificação e caução para os seus hediondos actos? Afinal, terá o debate um carácter assim tão anacrónico? 
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