terça-feira, setembro 13, 2005
  Os Moinhos do Guadiana

Procuremos a definição de monumento num dicionário. Que nos diz ele?
Monumento: construção ou obra de escultura destinada a perpetuar a memória de um facto ou de alguma personagem notável; edifício majestoso; obra digna de passar à posteridade; memória; recordação; restos ou fragmentos materiais pelos quais podemos conhecer a história dos tempos passados. Será então isto, grosso modo, aquilo que comummente é entendido por monumento. Embora, quando o pensemos, o arquétipo que nos ocorra seja sempre o do edifício majestoso, a construção grandiosa e perene, enaltecedora dos valores religiosos ou militares, glorificadora dos feitos pátrios. Enfim, a mania das grandezas que a todos um pouco contamina.
Vem isto a propósito dos humildes, esquecidos e derruídos moinhos do Guadiana. Serão eles um monumento? São-no, sem dúvida. Faltar-lhes-á a grandiosidade, mas são memória, são recordação, são fragmento material pelo qual podemos conhecer a história dos tempos passados, são monumentos erguidos ao engenho e ao trabalho dos nossos antepassados, e que maior majestade poderá existir do que aquela que glorifica e louva o engenho e o trabalho humanos? Não exaltam a guerra nem o ódio, não exaltam valores religiosos quantas vezes fonte de intolerância e violência, exaltam a paz, o trabalho, a mais nobre das actividades humanas.
Poder-se-á compreender esta região e o seu povo, as suas idiossincrasias sociais e culturais sem o contexto económico marcado essencialmente pela cultura extensiva dos cereais, particularmente do trigo? Obviamente que não. E aí temos o moinho do Guadiana, justamente como parte dessa cadeia de actividades relacionadas com a produção do trigo e sua transformação. E foi tão importante este ciclo de actividades, que poderemos designar por ciclo do pão, que tudo ele impregnou: o folclore, o vestuário, a gastronomia, os anexins populares, a calendarização das feiras e também a sazonalidade laboral, a fome e a pobreza.
E os moinhos foram peça importante desse mundo. Centenários, de muitos séculos, coevos de mouros, moeram o trigo de que se alimentaram as gerações que nos precederam. Construídos naquela sua forma abaulada, de grossas paredes, são um milagre de engenho capaz de resistir anos sem fim às fúrias devastadoras das cheias invernosas.
Para outros, muitos outros, são memória, não muito antiga, de pescarias e caldos de peixe comidos à sua sombra amiga.
Ao que vem tudo isto, perguntarão? Vem a propósito de que urge reabilitar, preservar, pôr em funcionamento um desses moinhos. Não tenhamos a veleidade de salvá-los todos que é a melhor forma de não salvar nenhum. Naquela parte do concelho de Beja cuja fronteira é o Guadiana alguns existem, nas freguesias de Baleizão e Quintos. Que se conjuguem esforços das várias entidades para isso vocacionadas e se proceda ao restauro de um desses moinhos. É ainda hoje possível encontrar vivo algum desses moleiros que nos transmita os seus saberes e torne possível o seu funcionamento. Mas essa possibilidade esvai-se com o tempo, todo esse saber desaparecerá com a morte do último moleiro.
É de interesse histórico e pedagógico fazê-lo. Para aqueles mais pragmáticos, para quem o interesse económico é dominante, lembro que será sempre um ponto de notável interesse a visitar pelo turista acidental a quem se proponha um passeio segundo uma rota a que se poderia chamar Rota do Pão. Não deixemos pois perder um tão notável exemplo de engenho industrial. 
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