domingo, outubro 02, 2005
  Um Homem Justo

Aristides de Sousa Mendes é uma figura só tardiamente conhecida e reconhecida. Sobre ele fez a jornalista Diana Andringa um documentário passado pela R.T.P.2,no já distante ano de 1992, e só a partir de então se torna uma figura mundialmente conhecida. Mas com o alcance e a projecção mediáticos que as coisas feitas entre nós e por nós assumem o cônsul e o seu gesto terão despertado um relativo interesse que logo adormeceu. Em 1995 a Editorial Caminho publica a sua biografia, "Aristides de Sousa Mendes, o Wallenberg" Português", da autoria de Rui Afonso. Mas é somente após a publicação de um extenso artigo do jornalista francês José Alain Fralon, sobre o cônsul português, no jornal "Le Monde" e após a publicação de um livro da sua autoria sobre a mesma personagem, "Le Juste de Bordeaux", o qual teve direito a manchete no jornal britânico "Times", que a figura de Aristides de Sousa Mendes se torna alvo do interesse europeu e mundial.
Alain Fralon teve o seu primeiro contacto com o cônsul português quando fazia a cobertura jornalística do julgamento de Maurice Papon, funcionário do Governo colaboracionista de Vichy, acusado de ter enviado para as câmaras de gás nazis vários judeus. Logo se apaixona por esta personagem que lhe aparece como o anti-Papon, um por justificar o seu gesto pelo dever de obediência a que, como funcionário, estava sujeito, o outro por ter desobedecido a uma ordem que lhe pareceu iníqua e que, ao desobedecer, estava consciente dos perigos que tal gesto acarretaria não apenas para si mas para os seus familiares.
Nada o obrigaria, na verdade , a assumir tal atitude. Homem de formação católica, monárquico e conservador, oriundo de famílias aristocráticas do norte, nasce em 19 de Julho de 1885, em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal. O seu gesto só encontrará justificação numa grande nobreza de carácter ancorada em fortes convicções humanísticas. No dizer de Alain Fralon, em entrevista publicada pelo jornal "Público", Aristides de Sousa Mendes quando, em Bordéus, viu aqueles milhares de pessoas em frente do consulado, terá ficado profundamente chocado. E que, consciente de que apenas lhe bastaria assinar um visto para lhes salvar a vida, decidiu fazê-lo. "Para mim é a explicação mais simples: uma assinatura e salvo-os. Acima de tudo, era um homem bom", termina.
Tal gesto custa-lhe não apenas a carreira mas também o desafogo económico em que até então havia vivido. Expulso da função pública, com uma reforma de miséria, fica incapaz de prover às necessidades da sua numerosa prole, doze filhos. Vê-se só e abandonado. Nem mesmo aqueles que ajudara a salvar o socorrem. Silencia o seu gesto. Ter-lhe-ia sido fácil denunciar a injustiça da sua situação a instâncias políticas que o poderiam ter ajudado. Em vão terá esperado um perdão de Salazar, que nunca chegará. Nem mesmo a necessidade do regime provar aos Aliados que também entre nós houve resistentes, que também alguns de nós souberam estar do lado certo da História, nem isso terá demovido o ditador. Aristides de Sousa Mendes vem a morrer pobre e só no Hospital da Ordem Terceira, em 3 de Abril de 1954. Tinha 68 anos.
Ao nosso Schindler fará falta o Spilberg, que não temos, que o soubesse homenagear condignamente. Em Israel mereceu o estatuto de "justo entre as nações", atribuído a todos aqueles que salvaram judeus durante o Holocausto. Suponho que será justo e apropriado que a cidade o homenageie integrando o seu nome na toponímia urbana. Fica a sugestão. 
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