sábado, novembro 12, 2005
  Cuidado! A França é o Laboratório Social e Político da Europa

São inquietantes as imagens e as notícias que nos chegam de França: pelo que traduzem de esboroamento das relações sociais e pela incapacidade de um Estado de Direito fazer valer e respeitar no seu território o primado da lei e da ordem.
Estaremos perante um fenómeno a que chamaremos de luta de classes, utilizando os parâmetros mentais e de análise herdados do velho marxismo? Mas quem pratica os actos de violência não são uma classe social em particular, são jovens, alguns ainda adolescentes. Não estão aqui em causa relações laborais, salariais, de condições de trabalho ou habitabilidade.
São estes jovens gente desesperançada, sem perspectivas de futuro? Também o são os adolescentes que, numerosos, juntamente com os mais velhos, praticam actos de violência gratuita?
Vivem em guetos? Mas estes bairros suburbanos, quando foram construídos há vinte, trinta anos, a expensas do Estado francês, que o mesmo é dizer do contribuinte francês, para realojamento dos pais destes jovens que usufruíam de condições de habitação, essas sim, deploráveis, não foram, logo de início, guetos, como se de um pecado original se tratasse; transformaram-se ou melhor, foram transformados em guetos por aqueles que os habitaram.
Qual o percurso de vida de muitos destes jovens? Sem pretensões de adivinho, porque nunca vi feita essa averiguação, mas tendo em atenção a realidade com que me deparo na minha actividade de professor, realidade essa que não é assim tão diferente da francesa, saberei que esse percurso estará marcado pelo insucesso e abandono escolar, adopção de comportamentos anti-sociais na escola e na sociedade, desestruturação familiar, adopção da violência como forma de afirmação individual e grupal. Em suma, a mais completa ausência dos valores de civilidade e de relacionamento humano nos quais sucessivas gerações de europeus foram educados e que nos permitiram usufruir, até hoje, de formas de viver ditas civilizadas.
Não posso de boamente aceitar as explicações cúmplices e desculpabilizadoras de uma certa sociologia, que assaca toda e qualquer responsabilidade à sociedade em que esses indivíduos se inserem passando em branco as responsabilidades individuais que a cada um incumbe pelos actos que pratica.
É a incompetência e a demissão educativa das famílias, quando existem, é a impunidade do delinquente, que leva a que as escolas fiquem reféns de meia dúzia de desordeiros, é o relativismo moral, é todo um caldo de cultura pautado pelo hedonismo e pela satisfação imediata de toda e qualquer pretensão consumista, caldo de cultura veiculado pelos media e muito particularmente pela televisão, essa grande educadora, é, enfim, a falência total de uma sociedade em transmitir aos mais jovens esses valores elementares que são os do trabalho, da perseverança, das boas maneiras e do respeito tolerante pelo outro, são estas as responsabilidades sociais, não aquelas que uma certa sociologia de pacotilha nos tenta vender.
A desculpabilização e a cumplicidade com a desordem não são o caminho, como não o será a repressão pura e dura. Chegámos a um ponto em que as soluções são sempre difíceis e morosas. Mas que a pauta de valores que tem norteado as sociedades europeias, e cuja génese principiou há três ou quatro dezenas de anos, terá que ser repensada, disso não tenho eu a menor dúvida. Sob pena de, para não caminharmos para uma nova barbárie medieval, caminharmos para formas de sociedade repressivas e anuladoras de muitas das liberdades que prezamos e queremos manter. 
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