domingo, janeiro 28, 2007
  A Propósito da Despenalização do Aborto

Gostaria que o debate sobre a interrupção voluntária da gravidez decorresse sem a intervenção dos partidos políticos; gostaria que o debate decorresse sem alaridos, sem insultos gratuitos, sem demonizações; mas gostaria ainda mais que não houvesse debate nem houvesse referendo, pois os homens e mulheres do meu País haveriam de ser suficientemente informados e particularmente responsáveis para, utilizando todos os meios contraceptivos de que hoje dispomos, evitarem toda a gravidez indesejada.
Gostaria que a Igreja adoptasse uma posição menos hipócrita: que seja estrénua defensora da vida entende-se, o contrário é que resultaria incompreensível, mas ser ao mesmo tempo opositora à adopção de todo e qualquer método contraceptivo é no mínimo contraditório.
Gostaria que a actual lei funcionasse como funciona na vizinha Espanha, sendo como se diz um decalque da nossa. Nela se tipificam os casos em que é possível, sem penalização, a prática do aborto: malformação do feto, violação, perigo de vida para a mulher, danos irreversíveis para a saúde física e psiquíca da mesma. E porque não funciona a lei entre nós?
Pela interpretação restritiva que da mesma faz grande parte da classe médica. Não sei há quantos anos foram redigidos os estatutos da Ordem dos Médicos mas decerto que há muitos, tantos que de um ponto de vista deontológico, e é isso que importa, estarão desadequados ao mundo de hoje e, o que é mais, estarão desadequados, neste particular, às leis da República o que, não sendo eu jurista, me parece juridicamente de difícil sustentação, ao ameaçar de expulsão da Ordem e cassação da carteira profissional a todo o seu associado que cometa práticas abortivas, com a única ressalva de que as mesmas serão lícitas em caso de perigosidade de vida para a mãe, interpretação que contraria o disposto na actual lei. Não obstante, os médicos têm todo o direito de recusar tais práticas invocando objecção de consciência.
Esta não é uma questão de esquerda, nem de centro, nem de direita: é uma questão transversal à sociedade e é uma questão de ética e de consciência: por isso os partidos deveriam ter adoptado uma posição de recato e distanciamento, os partidos deveriam ter-se abstido de tomar partido, doutro modo os seus directórios estão a arrogar-se o direito de mandar na consciência dos seus militantes e simpatizantes. E com que direito, perguntaremos nós?
A questão é difícil e conflitual, de um ponto de vista colectivo e individual. Há perguntas que careceriam de uma resposta mais convincente. Porquê o aborto só até às dez semanas e não às dez semanas e um dia? Consideram os proponentes que é a partir de então que o feto passa a ter dignidade humana? E porque não antes, e porque não depois? A partir de quando é legítimo falarmos de vida humana? Não há resposta, pois não? Nem a ética, nem a religião, nem a ciência nos respondem de forma convincente.
A questão não é preta e branca, nem sequer é fracturante, é dilacerante, e eu gostaria que não houvesse referendo para não ter que optar.
 
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