sábado, fevereiro 11, 2006
  Ainda as caricaturas blasfemas


O ministro dos Negócios Estrangeiros do governo português publica um comunicado, com chancela do Ministério, onde condena as caricaturas como ofensivas da religião islâmica. Quanto aos desmandos de multidões histéricas e ululantes que queimam embaixadas e bandeiras e proferem ameaças de morte aos ímpios infiéis ocidentais nem uma palavra. Instado a comentar o comunicado terá dito que não condena o óbvio. Ora é tão óbvio que as caricaturas de Maomé iriam ferir a tão melindrosa susceptibilidade islâmica, como será óbvio que actos de uma violência gratuita e desproporcionada, relativamente à publicação de umas meras caricaturas, são merecedores de um total repúdio e veemente condenação. Mais ainda quando hoje se sabe que tais genuínas e espontâneas manifestações de ira têm vindo a ser preparadas quase desde a publicação das caricaturas, que o foram em Setembro passado.
O que nos vale é que a visibilidade externa das palavras do senhor ministro Freitas do Amaral é tanta quanta a do País e do Governo de que faz parte. Porque as palavras contidas no comunicado do ministério não veiculam apenas a opinião do senhor ministro ou do seu governo, elas são a expressão daquilo que o País pensa sobre o assunto, já que vivemos numa democracia representativa. Mas já estamos habituados a estas tomadas de posição de cócoras dos nossos governantes. Tem sido assim em relação aos governantes das ex-colónias, é assim agora relativamente aos senhores do petróleo. Em nome da realpolitik, isto é, do mundo dos negócios, e para nossa vergonha.
Somos fiéis seguidores de uma política de auto-culpabilização que tem vindo a ensombrar a Europa de há décadas para cá. Os ex-colonizados clamam? Que fazer? Pede-se desculpa. Pede-se desculpa pela História, pelo passado, isto é, pedimos desculpa pela nossa existência de nações com História e passado, pedimos desculpa por termos existido e, não tarda, por existirmos. Por existirmos com as nossas convicções, com a nossa cultura, por existirmos como muito bem entendemos. Cá por mim perguntaria às oligarquias teocráticas e despóticas que governam a maior parte dos países islâmicos, quando é que pensam pedir desculpa pelo desrespeito permanente pelos mais elementares direitos e pelas inúmeras atrocidades cometidas sobre os seus próprios povos. E não por actos passados mas por actos bem presentes.
Entre nós, europeus, e o mundo islâmico hodierno existe uma fractura histórica que remontará ao Século das Luzes. Tivemos guerras religiosas, tivemos os iconoclastas, tivemos a Inquisição, cometemos crimes sem conta em nome da pureza dos ideais religiosos. Se cedemos agora às pressões e exigências de líderes religiosos fanatizados estaremos a pôr em causa todo um legado civilizacional que construímos e a que custo. Eu por mim não quero um regresso à barbárie. Não somos nós que temos que descer ao nível de aceitação de exigências que ponham em causa o modo de vida que escolhemos, são os outros que terão que nos aceitar como somos e como tal terão que nos respeitar. Porque o que todo este mal estar reinante no mundo islâmico reflecte é a sua desadequação a um mundo cada vez mais global, é o choque entre adquiridos civilizacionais cada vez mais globais e um mundo fechado, regido por princípios emanados de textos escritos há 1400 anos e governado por cliques as mais das vezes corruptas e despóticas.
Mas quem quer ser respeitado tem que se dar ao respeito. Por isso foi tão infeliz o comunicado do senhor ministro Freitas do Amaral. E se ainda não tínhamos sido directamente visados pelo fanatismo islâmico que por aí agora tem campeado pois, senhor ministro, para ter dito o que disse mais valia não ter dito nada.

 
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