sábado, dezembro 30, 2006
  Fim de Ano

O ano está a findar e é-nos agora dito que doravante passaremos a servir de exemplo aos novos aderentes da União Europeia de como não se deverão comportar. De bons alunos nos anos 90 passámos a cábulas, de bestiais passámos a bestas. Coragem. Afinal servimos uma meritória função de carácter pedagógico. E se assim é somos úteis, e ser útil não é nenhuma desgraça. E já lá diz o faducho que não é desgraça ser pobre.
Pobretes mas alegretes. Viram os níveis de consumo verificados neste período natalício? Gastaram-se milhões e milhões em prendas, trocaram-se milhões e milhões de mensagens via telemóvel. Que outro povo, sim, que outro povo seria capaz de tanta generosidade, de tanta solidariedade, de demonstrar tal espírito natalício em tempos de crise? Nenhum, estou em crer. Não há dúvida que somos únicos.
Faz alguns anos ouvi ao então primeiro-ministro António Guterres, numa cerimónia pública realizada no Auditório dos Serviços Comuns do Instituto Politécnico de Beja, um veemente discurso sobre os destinos pátrios: dizia ele, e que bem que ele falava, que havíamos tido duas oportunidades no nosso já longo e glorioso passado, duas oportunidades de nos desenvolvermos economicamente, de largarmos esta carepa de miséria ancestral, quais foram o que ele denominou por ciclo da pimenta e ciclo do ouro brasileiro: ambas se goraram. Dispúnhamos agora de uma terceira e talvez derradeira oportunidade, a dos fundos comunitários. Agora não podíamos falhar, tal seria imperdoável. Pois daí a tempos, não muitos, o homem foi-se embora e deixou a tarefa por cumprir. Acho que nunca lhe irei perdoar.
Perdemos a oportunidade nos finais do século XV e primeira metade do século XVI, a pimenta esvaíu-se-nos por entre os dedos como areia. Mas a corte de D. Manuel era então a mais faustosa da Europa e a embaixada enviada ao Papa Leão X, em 1513, era tão magnificente que o mesmo decretou que enquanto os portugueses permanecessem nos reinos pontifícios não haveriam de pagar nada. Claro que alguns portugueses foram demorando a sua estada. Pudera, com cama, mesa e roupa lavada à borla. Acontece que alguns italianos, que também são uns bons tratantes, logo começaram a fazer-se passar por portugueses para também se sentarem à manjedoura. Conclusão: lançaram sobre nós tanta lama que ainda hoje em Itália português é sinónimo de caloteiro. Mas tudo isto não passa de inveja, é claro, só por sermos mais espertos do que eles.
Depois perdemos a oportunidade do ouro e da pedraria preciosa que nos chegava do Brasil em quantidades até então, e ainda hoje, pelo menos para mim, inimagináveis, ao longo de toda a primeira metade do século XVIII. Mas não é verdade que a corte do senhor D. João V ombreava então com as mais ricas cortes europeias? Não é verdade que se construiu o Aqueduto das Águas Livres? E o Palácio-Convento de Mafra? Para quê, perguntam? Não vos basta ter servido tal faraónico edifício de inspiração ao nosso Nobel José Saramago?
Por causa desta história do ouro brasileiro ainda hoje por lá há uma elite bem-pensante que nos acusa de lhes termos roubado o metal amarelo. Alto lá! O ouro fomos nós que o achámos e depois só vinha para cá a quinta parte, a quintalada, do ouro extraído, que nós não somos assim tão gananciosos. E o que é que por lá fizeram aos restantes quatro quintos desse ouro? Mas disto não falam eles.
Haja esperança. Na sua mensagem televisiva natalícia, o nosso agora primeiro-ministro, José Sócrates, com um ar seráfico, de todo adequado à quadra festiva, veio dizer-nos, olhos nos olhos (ou seria na cábula que ia passando num quadro electrónico?), que íamos agora no bom caminho, que a situação se haveria de recompor. Penso que ele sabe do que fala, pois não foi ele ministro de António Guterres? Alguma coisa o nosso primeiro-ministro terá aprendido com o desgoverno de então. E entretanto confortemo-nos com a ideia de que, se para outra coisa não servimos, servimos pelo menos para exemplo de outros, tarefa educativa bastante meritória.
 
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