domingo, dezembro 17, 2006
  Natal

Quando eu era criança esta era a altura de se armar o presépio. Na minha escola, uma daquelas do chamado plano centenário, ainda estou para saber por que eram assim designadas, numa chaminé existente na sala de aula, chaminé que nunca se acendia suponho que por falta de verba para a compra da lenha, se armava então o presépio, com o musgo que nós, alunos, íamos buscar aos locais sombrios já por todos demais conhecidos, e com todas aquelas figurinhas pitorescas que o compunham. E com as searinhas, bem entendido, podia-se lá conceber um presépio sem as searinhas, para nós nados e criados em terras de pão? E o que eram as searinhas, perguntarão os mais jovens, criados já na tradição do pinheiro natalício? Pois as searinhas obtinham-se colocando grãos de trigo numa lata de conserva a que se adicionava água; o trigo germinava e dele brotavam folhas até à altura de uma mão travessa, de um verde viçoso que fazia um lindo contraste com o verde escuro do musgo. Bem entendido, as searinhas eram plantadas três ou quatro semanas antes de se armar o presépio.
Mas o pinheiro natalício é agora imperante, exemplo cabal de como a globalização não é apenas económica, também impregna e modela as práticas culturais, com óbvia prevalência daquelas que nos chegam da Europa do Norte. Parece que a primeira Árvore de Natal terá sido erguida em terras lusitanas no Paço Real, por D. Fernando II, esposo de D. Maria II, Fernando de Saxe-Coburgo Gotha, alemão como o seu apelido o indica, e que da sua Germânia natal trouxe até nós tal tradição arbórea. Não terá feito vencimento tal prática, mau grado a força impositiva das modas cortesãs, mormente entre as classes altas, e por muitos e bons anos o indígena continou a preferir a celebração do Natal através do presépio.
Ainda recentemente os meios de comunicação social davam conta da exposição de um presépio setecentista no Museu do Azulejo, presépio que por muitos anos esteve patente no Museu Nacional de Arte Antiga e que agora, após demorado e profundo restauro, foi levado para o dito. Ora tal presépio é uma das mais notáveis peças escultóricas do barroco nacional, atribuído à escola de Machado de Castro e, a meu ver, exemplo notável de como, entre nós, o presépio constituía peça central das comemorações natalícias. Para aqueles que ainda o não saibam a palavra presépio provém do latim praesepes, is, que significava estábulo, curral e também manjedoura. Ora se, segundo a tradição, o Menino nasceu numa gruta que servia de estábulo e, nascituro, foi colocado sobre as palhas de uma manjedoura, que palavra mais adequada para designar tal quadro haveríamos de arranjar?
E quem diz Árvore de Natal diz Pai Natal, esse ícone planetário deste período festivo e cuja formatação final de ancião rubicundo, de fartas barbas brancas e ventre proeminente, com um traje vermelho de talhe vagamente lapão, resultou de uma campanha publicitária, pasme-se, da Coca-Cola.
Mas a Árvore de Natal finalmente venceu o presépio da nossa infância. A Câmara Municipal de Lisboa capricha em erguer na mais emblemática praça da capital e do país, uma estrutura em ferro, com muitas luzes faiscantes e multicores, que passa por ser a Árvore de Natal mais alta da Europa. E tal como em minha casa, por esse país fora muitas famílias também ergueram a sua, à medida das posses e do bom gosto de cada um.
É insofismável que a quadra natalícia, época de reflexão e de celebração de valores, está inquinada pelos interesses comerciais e por uma pulsão consumista desenfreada. Também eu, também eu, mea culpa, não me escapo a tais desmandos. Os nossos vizinhos espanhóis, mais ciosos das suas tradições culturais e religiosas, libertam essa pulsão consumista nos Reis, procedendo então à troca de prendas, o que a meu ver está correcto, pois não foi então que os Reis Magos ofertaram ao Menino o ouro, o incenso e a mirra?
Natal é sempre que um homem quiser? Será. Mas esta é a época para recordar e reviver o espírito natalício. Desejo pois a todos os meus eventuais leitores um Natal de paz e harmonia.
 
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