domingo, abril 10, 2005
 
CONVERSAS NO OCASO


-Compadre, Nunca mais voltou ao seu monte?
-Nunca mais. Da última vez que lá fui, já lá vão uns bons dois anos, fiquei tão descoroçoado que jurei nunca mais lá voltar. Até me deu vontade de chorar. É verdade, não tenho vergonha de dizer, compadre. Aquilo já não era a mesma coisa. Estava tudo a mato. Na horta havia um ervaçal mais alto do que eu. A parede da nora estava quase toda caída, do monte já só havia pedras e o chão da casa. Nem queira saber o desgosto que me deu quando vi aquilo naquele abandono. O sítio onde passei quase toda a minha vida já não existia. Olhos que não vêem coração que não sente. E eu, em não vendo, não me lembro. É melhor assim. Nunca mais lá hei-de voltar. Nunca mais!...
-Pois é, compadre! Estamos a chegar ao fim, a nossa licença está-se a acabar e tudo aquilo que fomos, tudo aquilo que tivemos, já não existe. É a vida, tal como os alcatruzes da nora, uns vão e outros vêm, uns sobem e outros descem. E a gente já começou a descer há muito tempo, estamos quase no fundo.
-Descendo ou subindo, compadre, tanto dá. Mas sabe vossemecê o que é que ainda lá estava tal como eu havia deixado? As nogueiras que o meu pai tinha semeado lá p'ró pé do barranco. É verdade, ainda lá estavam e ainda lá hão-de estar depois da gente partir, se ninguém as arrancar. Se aquelas nogueiras falassem muito tinham p'ra contar. Semearam aquilo tudo de eucaliptos mas não tocaram nas nogueiras. Não lhes tocaram, é verdade. Se elas falassem... Lembra-se o compadre da Maria Zefa, da Zéfinha? Está claro que se lembra. Pois era eu ainda solteiro o raio da mulher começou a aparecer lá pelo monte quase todos os dias. Andava lá no seu negócio de compra de ovos e galinhas para ir vender à vila e começou-me cá a parecer que eram vezes demais aquelas de aparecer lá pelo monte. E vá de falinhas mansas para mim, que eu estava já um belo moço, se já tinha namorada e que mais isto e mais aquilo... Não sei se o compadre a conheceu por esse tempo. Era mulher dos seus trinta anos, de perna rija de subir e descer por esses córregos, com um belo peito e cores sadias. Não se lhe conhecia homem certo mas também não eram muitos os que se gabavam de lhe ter posto a mão em cima.
-É verdade, compadre, é verdade. Olhe, um dia a vi eu, aqui no mercado da vila, assentar um chapadão num mais atrevido que a quis apalpar que o homem até parecia que tinha ficado com almareios e, a modos que envergonhado, meteu o rabo entre as pernas e marchou-se dali sem dizer palavra!
-Pois era assim a Zéfinha, sim senhor... Mas como eu lhe ia dizendo, ela começou de aparecer lá pelo monte mais vezes do que aquelas que seriam precisas lá para o seu negócio de compra e venda de ovos e galinhas. E vá de me fazer gaifonas. Eu, que ainda era franganote, nem às sortes tinha ido, comecei a magicar naquilo, comecei a magicar e resolvi que quando melhor calhasse haveria de tentar a minha sorte para ver se a Zéfinha queria aquilo que eu também queria.
E o dia chegou. Foi a meio da manhã. A minha mãe, que Deus haja, e as minhas irmãs tinham ido lavar roupa à ribeira. O meu falecido pai andava a apanhar cortiça com dois homens que trazia à jorna. Eu tinha ficado sozinho no monte a rachar lenha. E nisto apareceu-me a Zéfinha. Uma grande cesta à cabeça e outra na mão, toda corada que a manhã estava quente e ela já tinha feito muitos caminhos. Veja lá, compadre, que tudo me lembra como se tivesse sido ontem.
-Pois comigo acontece a mesma coisa. Coisas que aconteceram há já tantos anos ainda hoje me lembram como se fosse ontem e as coisas que aconteceram há muito menos tempo, por mais voltas que dê à cachimónia, não consigo lembrá-las. O tempo tudo nos tira, até a memória.
-Pois é assim tal e qual. Pois a Zéfinha chegou à rua do monte, pôs as cestas no chão e como não visse ninguém chamou. Eu, que me encontrava debaixo das nogueiras, lá p'ró pé do barranco, a rachar lenha, sempre era mais fresco e o calor já era muito, tinha parado de trabalhar a vê-la e chamei-a. Ela, assim que me viu, veio caminho abaixo. Agora, agora é que tem de ser, pensei. E ela a descer o caminho para ir ter comigo e eu a marchar na direcção dela. Perguntou-me se estava sozinho. Disse-lhe que sim. Disse que estava muito calor e tirou o lenço da cabeça. Trazia o cabelo solto debaixo do lenço, um cabelo bonito, farto. E ria-se para mim. Lembra-me como se fosse ontem. E eu, tem-te não caias, agarrei-a por um braço. Ela, em vez de se mostrar esquiva, encostou-se a mim. Fiquei desvairado. Puxei-a para baixo das nogueiras, para trás do monte de lenha. Deitou-se no chão, mansa como uma rola. E foi aquela a minha primeira vez, compadre...
-E nunca mais se voltaram a encontrar?
-Voltámos, voltámos! Só que minha mãe começou a desconfiar da fartura. E eu apercebi-me disso pois quando a Zéfinha ia ao monte fazer a sua negociata já a minha mãe não nos tirava os olhos de cima. As mulheres percebem essas coisas melhor do que os homens. De maneira que tivemos de lhe trocar as voltas. Não ia a Zéfinha ter comigo ia eu ter com ela. Passámo-nos a encontrar às escondidas, aí por esses córregos. Belos tempos. A coisa terá durado aí uns seis meses. Depois, de repente, a Zéfinha desapareceu. E sem dizer palavra!
-Houve quem a visse mais tarde lá para as bandas do Barreiro. Que se tinha juntado com um marchante...
-Pois foi, compadre. E parece que o marchante era o mesmo que aparecia por aí e lhe comprava os ovos e as galinhas. Eu é que nunca mais a vi! Depois arranjei namoro com aquela que haveria de ser a minha mulher, já lá está, coitada, fui às sortes, fiz a tropa, casei-me, vieram os gaiatos, mais trabalhos e mais canseiras e assim se foi uma vida!
-O compadre onde é que fez a tropa?
-Em Beja, no 17. E o compadre, parece que foi em Elvas?
-Pois foi em Elvas, sim senhor! Oh Elvas, oh Elvas, Badajoz à vista... Algumas vezes lá fui, a Badajoz, poucas que o dinheiro não era muito e as espanholas eram caras, Ah compadre, que se pudesse voltar atrás!
-As coisas estão assim feitas. Hoje uns, amanhã outros. E não vale a pena querermos o contrário, porque a vida é assim mesmo!
-Pois vossemecê em Elvas e eu em Beja lá fizemos a nossa tropa. O passadio não era bom mas quando se é moço tudo se aguenta. Os percevejos eram mais que muitos, compadre.
-A quem você o diz!
-E muito tempo se passava sem virmos a casa. O dinheiro era pouco. O meu pai, coitado, lá me ia mandando aquele pouco que podia. Ainda me lembro quando fui a apanhar o comboio para Beja. Eu e o meu pai, cada um à vez em cima de um burro que possuíamos, que o caminho era comprido, lá fomos até à estação. Eu com a guia de marcha, uma merenda que a minha mãe me tinha preparado, pão, uma marmita com carne e azeitonas, como tudo me lembra, e um saco de chita que a Josélia, a minha mulher, na altura ainda namorada, me tinha feito. O compadre lembra-se que era costume as namoradas oferecerem esses sacos quando os moços partiam para a tropa?
-Se me lembro, se me lembro! Também, eu levei o meu saco, também eu!
-No monte tinham ficado as minhas irmãs e a minha mãe com a lagriminha ao canto do olho a ver-me partir. E o meu pai a dizer que não era o fim do mundo, que era o destino dos moços e que a tropa só lhes fazia bem, ensinava-os a serem homens e que mais isto e mais aquilo. Tudo para nos animar, já se vê. E lá fomos. De caminho sabe o que fiz, compadre? Apanhei um ramo de medronheiro para levar cimigo para o quartel, coisas de moços, pensava eu que assim haveria de ter menos saudades cá dos sítios. Popis sabe o que lhe digo? O ramo de medronheiro nem chegou a Beja. Quando chegámos à Funcheira juntámo-nos com uns dos lados de Setúbal que iam também p'rá tropa, para o mesmo quartel, e que nunca tinham visto medronhos, perguntaram o que era aquilo, se se podia comer, e toma lá daqui, toma lá dali, comeram-me os medronhos todos. Tinham lá uns ares de rufias, de fadistas, que logo me fizeram desconfiar. Mas depois de os ficar a conhecer melhor, com o tempo, eram todos bons moços, boa rapaziada! Um deles foi até o meu melhor amigo na tropa. Belo moço! Nunca mais soube dele!
-Pois era assim mesmo, faziam-se grandes amizades na tropa. Em Elvas tive eu um grande amigo que era de lá mesmo. Fazia contrabando para Espanha. Aquilo era lá coisa de família. Já o pai e os irmãos faziam o mesmo e ele parece que desde muito gaiato começou a acompanhá-los naquelas andanças. Nos dias em que estava de licença era certo e sabido que lá ia para o contrabando. Eu, às vezes, perguntava-lhe: "Mas tu não tens medo que te apanhem? Olha que se te apanham metem-te no forte. Dessa não te safas!" "Qual apanham!?" dizia ele. "Ainda não nasceu aquele que me há-de apanhar. Conheço a fronteira como as minhas mãos. Não há buraco, não há caminho que eu não conheça." E o certo é que não o apanhavam. Um dia diz-me ele: "Tens de vir comigo!" "Tás maluco, eu tenho lá vida para isso!?" "Já te disse, vens comigo. Ganhas uns cobres e se gostares vais mais vezes!" "Homem, não vou, nem penses nisso!?" Mas ele tanto me desafiou, tanto me desafiou, que eu fui. Com alguma sorte podia ganhar-se uma boa maquia e eu fui.
-Pois então o compadre foi com os contrabandistas?
-Pois fui. A primeira e única vez. Aquilo não é p'ra qualquer um, compadre. Tem de se ser muito afoito. Mas quer ver o compadre como é que aquilo foi? Aquilo era uma jolda de cinco homens, seis comigo. Cada um levava uma mochila com uma arroba de café. Quando se cerrou a noite lá marchámos. Depois de andarmos um grande pedaço, diz-me ele: "Agora a partir daqui não falas, não dizes nada. Nem conversas, nem cigarros. Está entendido? E vais sempre atrás de mim. O que eu fizer fazes tu!" Acenei que sim com a cabeça e lá fomos. Eu ia mais pequenino que um rato, todas as sombras me metiam medo. O pior foi quando atravessámos o Guadiana. Eu, que não sei nadar, ia com medo de cair nalgum cachafundão e pr'ali morrer afogado. Mas lá passámos sem novidade, com a água pela cintura. Eles lá conheciam os melhores sítios. . Eu ia de tal modo assustado que nem sequer me sentia molhado. Lá quando chegámos a um tal sítio, que era assim um barranco escondido, fizeram alto e esperámos um bom pedaço. Ouviu-se um assobio e um dos nossos logo respondeu com outro assobio. E logo apareceram os espanhóis. Eram cinco, cada um com a sua mochila. Falaram uns com os outros numa linguagem que eu não entendi nada, aquilo era tudo gente que se entendia em espanhol, e lá voltámos para trás. Trazíamos peças de bombazina, que era o contrabando que se trazia para cá. Como eram cinco mochilas e a gente éramos seis lá se decidiu que eu não trazia nada à volta, porque era a primeira vez que fazia aquilo. E lá vim mais leve. Mais leve da carga que o medo agora até parecia que me pesava mais. Mas lá voltámos em bem. E ainda ganhei uns bons tostões com aquele trabalho. Mas nunca mais voltei, ele bem que me desafiou mais vezes mas eu nunca mais fui. Tinha-me safado daquela não me ia meter noutra. Não, que eu não tinha nascido para aquilo. Ele é que sim, lá continou a ir e nunca o apanharam. Tinha feito daquilo modo de vida.
-Sempre é preciso muita afoiteza, compadre. Eu também não era homem para levar uma vida dessas!
-Pois eu há pedaço não acabei a minha conversa, quando fui com o meu pai montados no mesmo burro a apanhar o comboio à estação para Beja. Pois quer ver o compadre, o comboio chega e vai daí o meu pai mete-me uma nota de cem escudos na mão. Digo-lhe eu, "Meu pai, eu não preciso do dinheiro, lá para onde vou dão-me roupa, cama e mesa e ao pai o dinheiro fica-lhe a fazer falta". "Leva lá o dinheiro, filho, que te há-de fazer mais falta a ti do que a mim!" Vai daí dá-me um grande abraço, encomendou-me e lá marchei para o comboio. Foi a única vez que o meu pai me abraçou, era muito amigo dos filhos mas não era lá homem para essas coisas.
-O meu pai também era assim. E depois que nos morreu a Maria, a nossa irmã mais nova, morreu com cinco anos de um garrotilho, teve um desgosto tão grande que depois disso quase não me lembro de o ver rir. Sempre triste, sempre triste...
-Quando olhamos para trás já são mais os mortos que contamos do que os vivos! Dos seus dois irmãos já só é vivo o Chico?
-Pois é assim, compadre. Está lá p'ró Algarve. Já não o vejo há uns bons cinco anos. A última vez que o vi foi quando foi a enterrar a minha mulher. A gente já só se vê em alturas de desgraça. O compadre ainda tem os filhos. Agora eu nem isso. Casei-me mas Deus não me deu a dita de ter filhos.
-Tenho filhos, tenho, mas de pouco me serve. Cada um abalou lá à sua vida e eu estou tão sozinho como o compadre.
-Não diga isso que eles sempre o vêm visitar quando podem!
-Lá isso é verdade, mas o maior desgosto que eu tenho é que nenhum deles quis seguir a vida da agricultura e isso é que me obrigou a vender as poucas terras que possuía. Mas também não tenho lá muitas razões para me queixar, eu sempre lhes disse para seguirem outro modo de vida que isto da agricultura o que dá mais é padecimentos. Mas sempre esperei que o moço seguisse este modo de vida. Mas o que está feito, está feito, depois de cavalo morto cevada ao rabo!
-O compadre não devia ter vendido a terra.
-Mas o que havia eu de fazer, compadre? As moças abalaram-me cada uma para o seu lado, casaram e ala. A mais nova foi para França com o marido, por lá ficaram alguns anos e lá conseguiram arranjar a vidinha. Verdade seja dita, nenhum deles precisa de mim. A oitra está lá p'ró Algarve. O moço empregou-se, e bem empregado, e eu vi-me sozinho com a patroa. Enquanto tive forças para me mexer fui trabalhando. Mas os anos passam e não perdoam. E veio o tempo em que já não era capaz, compadre. Com grande desgosto meu vendi o que tinha e vim mais a mulher aqui para a vila, para uma casita que comprámos, não iam ficar estes dois trastes sozinhos, lá pelo monte. Depois a patroa começou de me andar doente, cada vez mais doente, sei lá onde é que eu fui, de médico para médico, fartei-me de gastar dinheiro, que isto quando toca à saúde um homem não olha a gastos, mas de nada serviu. Morreu mirradinha, coitada. E eu ainda mais sozinho me vi, compadre. Ainda passei uns tempos em casa de cada uma das filhas mas elas têm lá a sua vida e eu não gosto de ser empecilho para ninguèm. Que elas nunca me trataram mal, mas eu gosto cá muito da minha independência e vai daí resolvi-me a vir cá p'ró asilo. Do mal o menos.
-Tal qual eu, compadre. Para onde é que eu havia de ir se nem filhos tenho?
-Sabe, compadre,. o meu pai e a minha mãe viveram sempre comigo até morrerem, já de velhinhos. Mas os tempos eram outros, as famílias eram mais unidas. Agora tudo é diferente. Há mais abastança, é verdade, mas ganharam-se umas coisas e perderam-se outras. Veja lá vocemessê, os moços hoje têm transportes que os trazem até à escola e os levam até casa. No tempo em que eu pus o moço nos estudos ainda nada disto havia. Que a gente já não fala do nosso tempo que então nem escolas havia.
-Pois não, compadre. Eu aprendi a ler quando fiz a tropa.
-Também eu! Mas deixe-me contar-lhe uma coisa. O meu moço era bom nas letras e quando fez a quarta classe a professora veio falar comigo e disse-me que era uma pena que o gaiato ficasse por ali. Eu comecei cá a pensar que para bruto bastava o pai e resolvi-me a metê-lo nos estudos aqui no colégio da vila. O gaiato tinha que cá ficar em casa de alguém conhecido, que o monte era longe e ele não podia ir e vir todos os dias p'rá vila, a coisa não me ia ficar barata mas o gaiato merecia o sacrifício e tudo se havia de arranjar. Vim à vila saber das coisas, da pensão, da matrícula, dos livros e vi que precisava de dois contos de réis para as despesas. Mas eu não os tinha, compadre, nem tinha a quem os pedir. Mas já tinha resolvido que o gaiato ia estudar e tinha mesmo de ir, desse lá por onde desse. Eu quando metia uma coisa na cabeça só se não pudesse de maneira nenhuma. Tinha um pedacito de terra, coisa pouca, com umas trinta oliveiras e alguma terra de semeadura que me ficava já um pouco despontada e resolvi-me a vendê-la. Vim à vila para arranjar comprador e fui ter com o Manuel António que eu sabia que anadva a comprar terras e era pessoa minha conhecida. "Porque assim e porque assado, agora não estou interessado em comprar terras, depois essa que o amigo me quer vender fica-me tão despontada, mas se fazemos negócio é só porque o amigo é quem é e está numa aflição e mais isto e mais aquilo", bom, resumindo e concluindo, o homem oferecia-me pela terra dois contos de réis. Ora eu contava vendê-la aí por uns seis. "Oh Manuel António, a terra vale bem uns seis contos de réis". "Não diga isso, homem, que a terra fica longe de bom caminho, e isto agora é má altura porque ninguém está a comprar, é como lhe digo, se lhe pus um preço é porque sou seu amigo e o vejo numa aflição!"
-E era o homem seu amigo, compadre!
-Pois está o compadre a ver o amigo que eu ali tinha. De maneira que lhe disse que ia ver se me davam mais alguma coisa noutro sítio. "O amigo faz aquilo que entender mas desde já o aviso que ninguém lhe dá mais do que aquilo que eu lhe ofereci."
-Aquilo estavam lá todos combinados, compadre!
-Nem mais. Desanimado, entro na venda do Chico Alberto para beber um copo. Quem havia de lá estar, o lavrador da Chaíça, pessoa com quem eu tinha convivência por já termos feito alguns negócios.
-Também o conheci, compadre. Pessoa séria!
-Pode dizê-lo. Mas escute, o homem viu-me com uma cara tão desanimada e meteu-se comigo. E eu lá desabafei. Pois sabe o que o homem me respondeu? "Sou eu que lhe vou emprestar os dois contos de réis. Paga-me depois quando puder!" E logo ali mos passou p'rá mão. E foi assim que lá mandei o gaiato p'rós estudos.
-O lavrador da Chaíça era homem muito sério. Havia poucos como ele!
-E hoje ainda há menos, compadre. De modo que lá paguei depois o dinheiro ao homem como pude. Nem um tostão de juros me cobrou.
-Outros tempos, outros tempos. Nem tudo era bom, é verdade, havia muita miséria por essas serras afora, mas os homens eram mais sérios!
-Bem, compadre, já se está a pôr fresco e já me começa a doer a porra do joelho. E quando estou assim muito tempo sentado ainda é pior. Mau, mau é quando me deito. Parece que a dor está lá debaixo do travesseiro à minha espera. Ainda ontem passei uma noite terrível!
-As malazengas já não nos largam, compadre. É o caruncho!
-Bom, vamos lá! Mas antes ainda vamos ali beber um copito que amanhã é outro dia!

 
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